Quando o economista  Luiz Lesse dos Santos foi indicado à desembargadora Maria Rita Xavier pelo procurador-geral do Estado do Pará, Ibrahim Rocha, para ocupar  a presidência da Comissão Interventora da Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp), um grupo do Maranhão de pseudo-líderes garimpeiros  reagiu imediatamente. Fincou pé prometendo ir à guerra. Para o público externo,  Lesse dos Santos tem parentesco com um graúdo funcionário do Ministério das Minas e Energia”, justificaram o veto

E daí?

Em poucas horas ao anúncio de Lessa, a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, foi tomada por uma leva de  “representantes dos garimpeiros de Serra Pelada”. À postos, no Ministério de Minas e Energia, exigiam de Edson Lobão a nomeação de outro nome para a interventoria.

Quem conhece o senador maranhense, sabe que é assim. Em pontos chaves, ele tem seus paus mandados. O script, bem conduzido, interagia com a vontade do chefe: rebelar-se contra qualquer indicação do Tribunal de Justiça do Pará que não contemplasse alguém da confiança do clã.

E foi assim, up-to-data, que Lobão trouxe à ribalta seu fiel escudeiro, o temerário coronel da reserva do Exército, Guilherme Ventura. Uma gracinha de divindade  aprovada de  imediato pelos garimpeiros maranhenses.

Em todo o país, redações de jornais passaram a ser inundadas de  pressreleases com  a biografia alantejoulada do coronel.

Algumas  preciosidades anotadas pelo blogger:

  

        – “Coronel Ventura assumirá o cargo levando para Serra Pelada a fama de homem sério, disciplinador e que não transige com desordens, fraudes ou corrupção. Ele já foi secretário de Segurança Pública do Maranhão durante o governo de Edison Lobão, de quem é amigo. No cargo, comandou uma ofensiva com mãos firmes contra o crime organizado que agia em roubo de cargas, tráfico de armas, assalto a bancos e assassinatos de encomenda”.

 

        – “Como  comandante-geral da Policia Militar do Maranhão, na gestão do então governador Edison Lobão, Ventura promoveu uma verdadeira faxina com expulsões de soldados e militares de alta patente envolvidos com criminosos”. Além de ter combatido “quadrilhas, desmontado poderoso esquema de carros roubados em poder de delegados e outras autoridades ligadas aos poderes Executivo, Legislativo e do Judiciário”, enquanto esteve à frente do Detran.

Tipo aquela história de que lado são, esparrama-se; o podre, esconde-se. 

Debaixo do tapete, deixaram alguns fatos relembrados aqui neste blog, certamente provocador de preocupações e da ameaça registrada em comentário.

Melechetes de safadezas

Serra Pelada, hoje, é puro alvo da insaciável cobiça de grupos que compõem associações, cooperativas, sindicatos e uma infinidade de outros CNPJ  criados exclusivamente para a manipulação de safadezas. O ouro ainda existente ali acirra a disputa selvagem de interesses. 

Conflitos permanentes têm o condão de manipular a vida de pessoas pobres e fragilizadas, andando desnorteadas pela vila esquecida pelo poder público. Um cabo-de-guerra  com pontas diversas puxadas por garimpeiros de fato, chantagistas, aproveitadores, mineradoras multinacionais e governo, todos com interesses distintos.

Basta fazer um levantamento para constatação: a violência gerada no entorno tem suas razões nessa disputa.

Como a Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) controla o direito de exploração dos 100 hectares que compreendem boa parte da cidade e a antiga mina, é ela a quem todos os aproveitadores buscam – principalmente dirigentes das entidades satélites.  

O próprio ministro Lobão, ao longo dos anos, travou à distância disputa com o ex-prefeito de Curionópolis, Sebastião Curió, pelo controle da entidade, seja através do poder político em Brasília, ou nas figuras marcianas de seus paus mandados, no garimpo.

A consolidação territorial, de direito e de fato, se concretizará a partir de agora, com a chegada do Homem de La Mancha de Babaçuzal, coronel Ventura.

Governos medrosos

Serra Pelada, à visão humanizada da questão, com sua vila de almas penadas, é vítima da ausência dos diversos governos paraenses.

Desde seu surgimento.

Nunca, o Palácio dos Despachos teve a coragem  de se fazer presente delimitando  seu poder geopolítico. Ao contrário, fica apenas currupiando, sem tomar fôlego na dança, permitindo, com isso,  o crescimento de demandas hoje totalmente fora de controle.

Basta uma autoridade paraense ensaiar assumir gestões que digam respeito aos interesses do Estado, os ditos representantes dos garimpeiros se arvoram em magotes rumo a Brasília.  Como se o Pará fosse uma unidade distrital.

O Judiciário segue a reboque, tateando  seda em tábua com pregos arrebitados.

O exemplo agora é clarividente.

Ao homologar a indicação  do  ensandecido coronel da reserva para presidir a Comissão Interventora da Coomigasp, a desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado, Maria Rita Xavier, apequena seu próprio gesto. Pode-se até dizer que não há nenhuma prova que desabone a oficialização de Guilherme Ventura para o cargo – e que ele tem o perfil ideal para lidar em ambientes de estrebarias-, mas a biografia dele não é lenda. É formada por fatos que qualquer busca despretensiosa no Google escancara.

E quando uma autoridade da envergadura de uma desembargadora – desrespeitada em sua posição inicial ao ter o nome de Lesse dos Santos vetado pelos prepostos de Lobão – é praticamente obrigada a avalizar o reenturmamento de um figura como Ventura, desgraçadamente, o barco quebrou a quilha em pleno vendaval.

Olho de pimenteira

A ambição da escumalha fedorenta que gravita Serra Pelada é colocar as mãos  nos estimados US$ 18 milhões que a Coomigasp deverá receber da multinacional canadense Colossus, além de uma divisão da receita de 49%, pela exploração mecanizada do ouro do garimpo.

Vislumbra também controlar cerca de R$ 220 milhões relativos a  recursos da  venda das sobras de ouro, paládio e prata dos primeiros 400 lotes do garimpo de Serra Pelada.

Quer mais do que depressa controlar o gerenciamento das mensalidades pagas à Coomigasp pelos cerca de 45 mil associados. E depois, como dois e dois são quatro, usar parte do bolo no financiamento de campanhas eleitorais – preferencialmente de políticos do Maranhão. Ou aplicar expressivo percentual das contribuições na manutenção de suas milícias.

As chamadas preocupações republicanas, ou sociais, essas não existem. Nunca existiram. Surgem nos discursos apropriados para convencimento externo.

Boiada no curral

Simultaneamente à luta pelo poder político da Coomigasp, vencida pelo cansaço e idade avançada da maioria, a população de cinco mil pessoas residentes na vila de Serra Pelada está que nem bois, com a canga no pescoço.

Da imensa cava em que homens cobertos de lama buscavam ouro resta um conjunto de morros esculpidos pelo trabalho dos garimpeiros e um lago, que, pela tranqüilidade da superfície, não denuncia a trajetória de sofrimento e, como muitos ainda esperam, o provável ouro submerso.

Em Serra Pelada, a associação entre miséria e violência é mais evidente do que em qualquer outro lugar do mundo. 

Ao contrário das expectativas iniciais, longe de solucionar conflitos, o garimpo tornou-se fonte de mazelas sociais.  Os esforços tímidos dos governos em tentar reverter o quadro biafriano, são insuficientes  para resolver a gravidade do problema social.  A trágica herança do garimpo se reflete nos números levantados pela Vale.

A taxa de analfabetismo entre os moradores adultos da vila é de 25% – numa população cuja maioria tem entre 40 e 70 anos. Além disso, 48% dos homens vivem sozinhos. Num dos relatórios de  estudos realizados em Serra Pelada  por uma equipe da Faculdade de Medicina de São Paulo (USP), está escrito com todas as letras que “a ansiedade e a depressão  atingem cerca de 9% dos pacientes atendidos“.

A realidade social da região transparece cotidianamente em toda parte.

No Km 16  da PA-275, na entrada da estrada que leva a Serra Pelada, é comum a presença de meninas de 11 a 13 anos, com o olhar perdido em algum ponto do horizonte. Ao ensaiar um leve bate-papo descobre-se o real motivo que os levam ao garimpo:

                Estou fugindo de casa, onde meus pais me espancavam, Vou “começar” minha vida.

Traduzindo:  irão se prostituir. Muitas ainda imberbes,

Sem temer a morte

As bandalheiras que regem interesses de alguns dirigentes de entidades ditas de garimpeiros, raramente são denunciadas. A ameaça endereçada anonimamente ao poster vem dessa curriola, que pressente ficar ‘desprotegida’ caso a Coomigasp lhes escape.   

Ameaça absolvida com a preocupação que toda ameaça  do gênero proporciona. Só que ela não assusta, nem desarticula o poder de reação do meu jornalismo.

Providênciasjá  foram tomadas. A secretaria de Segurança Pública se antecipou e acionou diversos setores, que prontamente entraram em contato comigo. Agora mesmo acabei de conversar longamente com a Superintendente de PC, Sílvia Mara, aqui em Marabá.

Ministério Público e Polícia Federal, também serão acionados, amanhã.

Tenho absoluta convicção, no entanto, de que nenhuma medida prática – e bem intencionada -, no âmbito das autoridades constituídas é suficiente para impedir qualquer ato criminoso contra a minha pessoa. O curso de uma bala covarde é bem mais ágil e eficiente do que ações preventivas de proteção física.

No seio de minha família, desde quando passaram a entender a extensão da atividade de risco que exerço por insistir em fazer da informação de qualidade um bem público, os temores existem, claro. Mas também existe o sentimento de que por causa desses valores que insisto em preservar na profissão, o preço por mim a pagar é bastante alto.

Já se vão mais de 30 anos de labuta. No período, meus pais, irmãos, minha mulher,  filhos, e amigos   sofremos muito com todo tipo de situação, sempre convivendo com a probabilidade de minha vida ser bloqueada na próxima esquina.

Existiram ameaças. Vez por outra, há ameaças. Estarão sempre, no dia a dia, ao meu redor, tentando frear a verdade que efervesce em minha consciência.

Nenhuma blindagem física ou psicológica  impedirá alguém de me assassinar. A desenvoltura com que agem os criminosos, é cada vez mais acintosa.

Quando a morte de Irmã Dorothy era notícia no mundo todo e autoridades federais, inclusive ministros, se deslocavam para a pequena Anapu, pistoleiros invadiram uma casa e obrigaram a sobrinha de um dirigente sindical a redigir um bilhete avisando-o de que ele seria o próximo.

Quando tropas do exército estavam na cidade, outro bilhete foi deixado sob a porta de outra liderança com novas ameaças.

Os criminosos agem assim porque se sentem seguros. A impunidade lhes passa essa tranqüilidade.

                 – “Com fé em Deus, eu não vou morrer tão cedo”.