São 40 anos de aventura
Desde que mãe teve a doçura
De dar a luz pra esse seu nego
E a vida cheia de candura
Botou canção nesses meus dedos
E me entregou uma partitura
Pra eu tocar o meu enredo
Sei que às vezes quase desatino
Mas esse é o meu jeito latino
Meio Zumbi, Peri, D. Pedro
Me emociona um violino
Mas também já chorei de medo
Como chorei ouvindo o Hino
Quando morreu Tancredo

Dos 40 anos de aventuras
Só 20 são de ditadura
E eu dormi, peguei no sono,
E acordei no abandono
E o país tava sem dono
E nós fora da lei

Quem se apaixonou por Che Guevara
Até levou tapa na cara,
Melhor é mudar de assunto
Vamos enterrar esse defunto
Melhor lembrar de Madalena
De Glauber Rocha no cinema
Das cores desse mundo
Jimmy, Janis, Joplin e John Lennon
Meu Deus, o mundo era pequeno
E eu curtia no sereno
Gonzaguinha e Nascimento
O novo renascimento
Que o galo cantava

“Ava Canoeiro”, “Travessia”
Zumbi no “Opinião” sorria,
De Elis surgia uma estrela
Comprei ingressos só pra vê-la
Levei a minha namorada
Com quem casei na “Disparada”
Só para não perdê-la

Lavei com meus prantos os desatinos
Pra conversar com meus meninos
Sobre heróis da liberdade
De Agostinho de Luanda
A Buarque de Holanda
Foram sóis na tempestade
Mesmo escondendo tristes fatos
Curti o tricampeonato
Meu Deus, também sou batuqueiro
Pois eu nasci em fevereiro
E
o carnaval tá no meu sangue
Sou dos palácios, sou do mangue,
Enfim sou brasileiro

Sou Ayrton Senna, eu sou Hortência
Dou de lambuja a minha vidência
Não conheço maior fé
Que a de Chico Xavier
Que para Deus já é Pelé
Que é o nosso rei da bola

Quem tem Raoni, tem Amazônia
Se está sofrendo de insônia
É por que tem cabeça fraca
Ou está deitado eternamente
Em berço esplêndido, ou é babaca
Ou está mamando nessa vaca
O leite dos inocentes
Vamos ensaiar, oh… minha gente,
Botar nosso Brasil pra frente
laia, laia, laia, laia…

 

Altay Veloso e Paulo César Feital compuseram 40 Anos, canção que na voz de Emílio Santiago fotografa período cruel  da vida política em que “o  país tava sem dono, e  nós fora da lei”.

Tempo do enfurecido AI-5.

Mas lembra também, gostosamente, da fase criativa de Chico, o Tricampeonato,  Glauber Rocha, Jimmy Hendrix, Janis Joplin,  John Lennon, Airton Sena, Tancredo –  tempo  alegre do brasileiro que nunca perdeu a esperança de ver o Sol da liberdade brilhando  um dia, outra vez.

Na voz dez Emílio, a canção  entra aqui no blog para lembrar –  e nunca ficar no baú   esquecido – que a 40 anos atrás, exatamente a 13 de dezembro de 1968, o general  Arthur da Costa e Silva  assinava o Ato Institucional Nº 5 , ou simplesmente AI 5, e com base nele, decretou o recesso do Congresso Nacional, por prazo indefinido, e implantou a ditadura.

Só para bem informar aos mais jovens.

Entre suas resoluções, o AI-5 suspendia os direitos políticos, e proibia atividades e manifestações sobre assuntos dessa natureza, condicionando a infração a severas penalidades, desde a liberdade vigiada ao domicílio determinado.

O ano de 1968 foi de grandes protestos contra o regime militar. No início do ano, artistas de teatro mobilizaram-se contra a censura. Em março, uma manifestação universitária no restaurante Calabouço terminou na morte do estudante paraense Edson Luís. Greves e passeatas eclodiram em todo o país, culminando com a passeata dos 100 mil, em junho, no Rio.

Atentados, expropriações, paralisações prosseguiram no segundo semestre em diversas partes do país.

Um dos momentos mais tensos foi o discurso do deputado Márcio Moreira Alves, no início de setembro, conclamando a população a boicotar os eventos programados para o Dia da Independência. A declaração elevou ao máximo o descontentamento dos militares, que pediram a cassação do deputado. O pedido foi rejeitado pelo Congresso (216 votos contra, 141 a favor e 24 abstenções) na véspera da instauração do AI-5.

Nos dez anos de vigência do mais cruel dos Atos Institucionais, sua fúria consternou a sociedade brasileira e internacional. Impondo-se como um instrumento de intolerância aos contestadores do regime militar, promoveu arbitrariamente repressão e intervenção, cassação, suspensão dos direitos, prisão preventiva, demissões perseguições e até confisco de bens.

A censura federal, recrudescida, atuou cruelmente na interdição de mais de 500 filmes, 400 peças de teatro, 200 livros, e milhares de músicas.

Homenagem a Fernandes

 

                                          – Pela primeira vez em 46 anos, acordo pontualmente às 6 da manhã e a Tribuna da Imprensa não está debaixo da porta. (Hélio Fernandes, ao descrever o amanhecer do dia 1º de dezembro último, quando o jornal deixou de circular).

Coincidentemente na semana em que o país rememora os 40 anos do dia em que os militares instituíram o instrumento jurídico que mais resguardou a ditadura, o jornalista Hélio Fernandes anunciou o fechamento do jornal impresso Tribuna de Imprensa.

Foi Hélio, nas páginas diárias do matutino, quem se opôs de peito aberto, por todo o período de chumbo, às barbaridades cometidas contra as liberdades individuais e das instituições.

A entrevista que ele concedeu ao Zero Hora, dia 3,   pode servir, eternamente,  como um Réquiem à Liberdade.

***

Por que a Tribuna da Imprensa está fechando?

Helio Fernandes – Não está fechando, está deixando de circular, é diferente. A Tribuna está saindo diariamente no online. Meu artigo, minha coluna, os outros colunistas, como o Carlos Chagas, o Argemiro Ferreira, o Sebastião Nery, o Pedro do Coutto, todos eles estão no online. Na terça-feira, tivemos 118 mil acessos ao nosso jornal. A Tribuna online continua firme.

O que deixa de circular é o jornal de papel?

H.F. – Exatamente. Aliás, essa é a grande dúvida no mundo jornalístico: o jornal impresso vai resistir ao jornal da internet? No meu entendimento, o jornal impresso não vai acabar, de forma nenhuma. Ele vai é se localizar. O que é isso? Nas capitais e nas grandes cidades, ficará apenas um grande jornal. Isso já está acontecendo, de certa maneira. Para ficarmos no exemplo dos Estados Unidos, lá o The New York Times está em Nova York, o Washington Post em Washington D.C., e assim por diante. Isso não é só por causa da internet. Antigamente, as pessoas tinham quatro ou seis jornais à disposição, mas hoje não têm tempo para ler todos. Hoje, lêem um ou dois jornais e vêem mais notícias na internet.

Mas por quanto tempo a Tribuna da Imprensa de papel deixará de circular?

H.F. – É momentaneamente. Pode ser cinco dias, cinco meses, cinco anos… É momentâneo.

O senhor escreveu sobre o “imodesto” ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), que estaria retardando o julgamento do pedido de indenização feito pela Tribuna da Imprensa. Culpa alguém pela situação?

H.F. – Nós entramos com o pedido de indenização em 1979. Em 1982, o juiz de primeira instância dividiu a ação em duas: a líquida e a ilíquida. Ela ficou de 1982 até agora, durante 26 anos, circulando por vários e vários tribunais, sem nenhuma decisão. Nada. Então, eis que o ministro Joaquim Barbosa aceita um recurso protelatório, e está há dois anos e meio analisando ele. Disseram que critiquei violentamente o ministro. Não foi assim. Lembrei uma frase dele: “Quem esperava um negro subserviente, vai encontrar um magistrado competente”. Então, deixei a alternativa para ele mesmo resolver: se vai ser um negro subserviente, recusando a indenização, ou se vai ser um magistrado competente, mandando pagar imediatamente.

O senhor espera uma indenização de R$ 10 milhões da União, em razão de perseguições durante a ditadura. O que faria com o dinheiro?

H.F. – Não, R$ 10 milhões, não. Isso foi o que a Folha de S.Paulo divulgou mentirosamente. Não tínhamos expectativa nenhuma. Não temos estimativas de quanto será.

Mas o que faria com a indenização? Investiria no jornal?

H.F. – Toda a indenização, se for paga, será usada para pagar as dívidas acumuladas pela Tribuna da Imprensa, por causa das perseguições sofridas.

Que tipo de perseguição?

H.F. – Várias. O jornal já teve 64 páginas cheias de anúncios publicitários. No entanto, o então diretor-geral da Receita Federal, Orlando Travancas, procurava os anunciantes da Tribuna para intimidá-los. Chegava a ameaçar as empresas anunciantes com auditorias. Se elas deixavam de anunciar, aí a auditoria era suspensa.

O senhor foi um dos jornalistas mais perseguidos pela ditadura…

H.F. – Não gostaria de contar a minha biografia. Mas sou o cidadão mais perseguido. Fui desterrado três vezes. Fui levado seis vezes para o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, o principal centro de interrogatório e tortura da ditadura). Fui preso várias vezes. Fui cassado em 1966, quando era candidato a deputado federal pelo MDB (embrião do PMDB). Um dia troquei cartas com o senador Pedro Simon, um político bravíssimo. Então, ele disse: “Helio, jamais conheci alguém tão oposicionista como você”. O meu irmão, o Millôr Fernandes, disse uma coisa que ratifico: “Jornalista que não é de oposição é melhor que abra um supermercado”.

Durante a ditadura militar, a Tribuna da Imprensa ficou 10 anos sob censura prévia. Como foi lidar com isso?

H.F. – De 1968 a 1978, foi terrível. Nós resistíamos. Muitas vezes, fazíamos uma edição meio alaranjada (morna), com algum artigo bobo, na Rua do Lavradio, a sede da Tribuna. E outra edição, esta duríssima, para valer, numa gráfica de Nova Iguaçu. Um dia, me chamaram na Polícia e reclamaram: “Os censores estão se queixando de que a Tribuna tem um restaurante, mas que o senhor não deixa eles nem tomarem um cafezinho”. Então, respondi: “Olha, só dou uma cadeira para eles sentarem, para não atrasar o jornal. Mas não vou alimentar quem está querendo matar o jornal”.

Como o jornal sobreviveu ao atentado a bomba de março de 1981, atribuído a grupos linha-dura da ditadura militar?

H.F. – A ditadura, já no chão praticamente, mas vingativa, destruiu toda a sede da Tribuna. Nós temos quatro prédios lá, de números 92, 94, 96 e 98, na Rua do Lavradio, onde o Carlos Lacerda fundou o jornal, em 27 de dezembro de 1949. É a rua mais antiga do Rio de Janeiro, que desemboca na Lapa, o centro boêmio. Foi tudo destruído, máquinas, prédio, tudo. Mas não entramos com ação de indenização por causa disso. A nossa ação ainda não julgada é de 1979. Poderíamos ter entrado com nova ação, mas não o fizemos. Não quisemos dar a impressão de ser exploradores de indenização.

Qual foi a reação ao atentado a bomba?

H.F. – Às 4h10min da madrugada, em frente à Tribuna em chamas, estavam o doutor Ulysses Guimarães, o Alceu Amoroso Lima, o Barbosa Lima Sobrinho, gente da maior importância. Depois, fui depor no Senado, que tinha uma CPI do Terror, presidida pelo Franco Montoro. Depus por seis horas, dando os nomes de quem tramou o atentado, tudo feito pelo SNI (Serviço Nacional de Informações).

Voltando à situação de hoje. É verdade que seu jornal estava vendendo somente 800 exemplares por dia?

H.F. – Mentira, e já respondi isso por escrito.

Mas qual é a real situação da Tribuna da Imprensa?

H.F. – Evidentemente que está endividada. Se não, não suspenderia a circulação. Mas não sei o valor, por causa de correção monetária, juros etc. Mas posso garantir que tudo que a Tribuna receber (do pedido de indenização em análise no STF) será destinado a pagamentos de dívidas.

Como é para o senhor, que começou com a velha máquina de datilografia, migrar para o jornalismo na internet?

H.F. – É a mesma coisa. Inclusive, há computadores que funcionam como a máquina de escrever.

O que o senhor pretende fazer agora?

H.F. – Estou escrevendo, trabalhando normalmente. Espero que o processo de indenização seja resolvido rapidamente, para que a Tribuna de papel volte a circular.