Duas décadas atrás, a violência associada às disputas por terras na Amazônia começou a chamar a atenção do mundo após um crime simbólico: em 12 de fevereiro de 2005, a missionária americana Dorothy Stang foi morta a tiros em uma armadilha. A freira se tornou uma vítima ao lutar em favor de pequenos agricultores ameaçados por grileiros em Anapu, no sudoeste do Pará, onde investiu mais de 20 anos de sua vida na proteção dos trabalhadores do campo.
Vinte anos após o crime, apenas um dos cinco indivíduos sentenciados por planejar e cometer o assassinato da freira ainda está encarcerado, conforme informações da Secretaria de Administração Penitenciária do Pará (Seap). Rayfran das Neves Sales foi o responsável por realizar os seis tiros à queima-roupa sob ordens dos proprietários de terras.
Para celebrar o legado de luta da missionária, diferentes movimentos promovem eventos de tributo e resistência na data em que Dorothy Stang faleceu, em várias localidades do Pará.
Em Belém, o Comitê Dorothy promoveu um encontro inter-religioso em homenagem a Dorothy Stang, onde serão rememoradas as principais causas que a irmã defendia. O evento ocorrerá na Praça do Can, situada no bairro de Nazaré, a partir das 9h nesta quarta-feira (12). A atividade contará com a participação de movimentos sociais, organizações de direitos humanos, universidades públicas e líderes religiosos.
A história da Dorothy
Dorothy desembarcou no Brasil em 1966, acompanhada por outras freiras da congregação Notre Dame de Namur, oriundas dos Estados Unidos. Na década de 1970, durante o regime militar, a região amazônica passou a ser objeto de grandes empreendimentos, incluindo a construção de estradas, a expansão da agropecuária em grande escala, a exploração madeireira e o aumento da migração de pequenos agricultores em busca de terras férteis e disponíveis para cultivo.
Em 1982, Dorothy se estabeleceu na área da Transamazônica para trabalhar nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e como educadora popular. A freira, que fazia parte da Comissão Pastoral da Terra (CPT), uma organização vinculada à Igreja Católica, ganhou reconhecimento global por sua firme resistência aos agricultores, ao setor madeireiro e aos grileiros na região do Xingu, no Pará.
Em Anapu, esteve envolvido na elaboração do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança, o pioneiro na localidade. Esse modelo de assentamento e administração gerava uma fonte estável de renda por meio da extração de madeira, preservando a floresta. A região era alvo de interesse de madeireiros e grandes proprietários de terra, que solicitaram a eliminação da ativista.
Execução e ameaças
Representando a luta pela reforma agrária no Brasil, a religiosa, com 73 anos na época, se envolvia em iniciativas sociais e trabalhistas em Anapu.
A atuação vigorosa começou a perturbar agricultores e grileiros na área, tornando-a alvo de ameaças. Apesar da consciência dos perigos, Dorothy continuou a relatar a violência rural e implementou projetos para um uso sustentável da floresta em regiões de assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), onde o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, um dos responsáveis pelo assassinato, detinha títulos de terra ilegais.
De acordo com o Ministério Público, os fazendeiros Vitalmiro Bastos e Regivaldo Galvão teriam solicitado a morte da missionária.
A missionária foi interceptada por homens armados em uma estrada secundária de Anapu. De acordo com os próprios agressores, antes de ser morta, ela recitou passagens da Bíblia para os matadores.
O delito teve um impacto global, atraindo a atenção de organizações dedicadas à defesa dos direitos humanos e à reforma da propriedade agrária.
Prisão domiciliar
Os responsáveis pela morte de Dorothy Stang incluem Rayfran das Neves Sales, Amair Feijoli da Cunha, Vitalmiro Bastos de Moura, Regivaldo Pereira Galvão e Clodoaldo Carlos Batista.
Rayfran das Neves Sales recebeu uma sentença de 27 anos de encarceramento por ter confessado o assassinato de Dorothy Stang. Ele saiu do sistema penitenciário para completar o resto da pena em casa.
Amair Feijoli da Cunha, conhecido como Tato, recebeu uma pena de 27 anos de reclusão por atuar como intermediário em um crime, mas obteve uma redução de um terço dessa condenação graças à delação premiada. Assim, a sua pena foi ajustada para 18 anos de prisão, pois ele foi responsável pela contratação dos assassinos Rayfran e Clodoaldo Carlos Batista. Rayfran foi condenado a 28 anos, enquanto Clodoaldo recebeu 17 anos de pena. Os processos judiciais tiveram início um ano após o homicídio, em 2006.
Vitalmiro Bastos de Moura, conhecido como Bida, e Regivaldo Pereira Galvão, identificados como os responsáveis pela execução do crime, receberam uma sentença de 30 anos de encarceramento. Bida foi julgado em quatro ocasiões diferentes. Ele supostamente teria proposto a quantia de R$ 50 mil para a realização do homicídio.