“Meu primeiro contato com uma sala de aula foi no ano de 2002. Sempre tive o sonho de estar em uma sala de aula. Foi um dos momentos mais incríveis que eu já vivi! Olhei aquelas carinhas meio assustadas, ao mesmo tempo, curiosas para saber quem era eu. Como posso definir minha condição de educadora na área infantil?  “Bem, ser  professora é poder ensinar e aprender todos os dias. É ficar surpresa diariamente com os pequenos e suas falas, que, às vezes, deixam-nos de boca aberta. É também apontar caminhos, mas deixar que o aluno caminhe com seus próprios pés. E, acima de tudo, é amar, porque, quando fazemos as coisas com amor, tudo é mais prazeroso, sentimos um ânimo supremo em acordar todos os dias, não só para ensinar, bem como para aprender.”

 

Depoimento acima é da educadora Claudia Amoury Hoffmann, nascida em Marabá, mas que vive grande parte de sua vida em Goiânia, onde constituiu família e trabalha na área de Educação – depois de ter atuado alguns anos no setor público de Marabá.

Diante de dificuldades em sua terra natal  para conseguir  os espaços desejados na área da Educação, devido a questões diversas, Amoury decidiu retornar à capital goiana para consolidar sua atividade profissional.

Cláudia é mais uma entre milhares de marabaenses que venceram na vida distantes de seu torrão natal, sem, no entanto, perder o contato com suas origens, suas famílias e amigos de infância que permanecem na cidade localizada à beira do rio Tocantins.

Passados mais de 20 anos depois de seu retorno à Goiânia, Cláudia construiu sua estrutura profissional e familiar, já totalmente adaptada à vida cosmopolita, originária do interior do Pará.

Filha de tradicional família marabaense, os pais da entrevistada são muito conhecidos na cidade:  Antonio Ribeiro, um dos primeiros comerciantes marabaense;  e Jamile Amoury (foto abaixo) filha de Nagib Amoury, libanês que desembarcou em Marabá no ano de 1923.

Casada, mãe de  Jamyle  e Joyce, Cláudia conta um pouco de sua vida distante de terras marabaenses, destacando seu amor à profissão.

“Ser professora tem como maior objetivo ensinar, construir conhecimentos com os alunos, compartilhar informações, instruir, corrigir, apresentar caminhos e possibilidades. Para realizar essa tarefa, é necessário aprender a ensinar”, diz Cláudia, na entrevista que concedeu ao blog.

A entrevista de Cláudia é a primeira de uma sequência de reportagens que mostrará a vida de pessoas nascidas em Marabá e que tiveram que vencer profissionalmente trabalhando em outros lugares.

Joyce e Jamyle (formada em Jornalismo), ao lado da mãe educadora

 

Você chegou em Goiânia levada pelos pais para estudar. Tempos depois, já formada, retornou a Marabá com objetivo de trabalhar. Como foi essa experiência de ir da terra natal para uma cidade cosmopolita e depois retornar ao mesmo lugar, em busca de espaço no mercado de trabalho?

Eu imaginava que não teria dificuldades tentar iniciar minha vida profissional na terra aonde nasci. Os sonhos e objetivos dos jovens sempre estão acima de qualquer obstáculo, mas somente no dia a dia, na vivência diária de buscar um lugar ao sol, é que se entende a clareza do quanto “a vida realmente é diferente, quer dizer, ao vivo é muito pior”, como diz a canção do Belchior.

 

Ser professor, viver em sala de aula, era o que você realmente desejava na vida?

Sempre foi o que sonhei, o que busquei, acho que nasci moldada para ser educadora. Quando estou em sala de aula, aprendi que não estou apenas mantendo contato só com o aluno. Também, entramos na vida familiar deles, porque veem na gente a confiança para se abrirem e contarem certas tristezas que eles têm, e que não contam para ninguém. É ter a visão de saber lidar com os comportamentos das crianças diariamente e que, constantemente, mudam por alguma coisa que aconteceu em casa. É ter compreensão, e saber que há horas que devemos ouvir e não só falar.  Diante desse cenário de compartilhamento de experiências, costumo dizer que ser  professora é entrar cansada numa sala de aula e, diante da reação da turma, transformar o cansaço numa aventura maravilhosa de ensinar e aprender. Amo minha profissão, apesar das dificuldades estruturais quase instransponíveis que enfrentamos.

Ninguém questiona a importância da educação e do professor para o avanço do Brasil, mas como fazer para que isso seja efetivado costuma gerar bastante debate – e esforço. Um dos grandes problemas vividos pelo professor é a violência em sala de aula, inclusive chegando ao registro de aluno desferir soco em professora, como ocorreu certa vez numa cidade de Santa Catarina – além de outros tipos de agressão no ambiente escolar. Pesquisa encomendada em São Paulo pelo Sindicato do Professores do Estado revelou que  51% dos professores entrevistados disseram ter sido vítimas de algum tipo de violência na escola; e 61% dos docentes e 72% dos alunos consideram a escola um ambiente de violência. Como explicar essa animosidade assustadora dos dias de hoje nas escolas brasileiras?

A violência é consequência do abandono da escola pública, superlotação de salas de aula e enxugamento de funcionários. Tudo isso, tenha certeza, dificulta aos professores conhecer individualmente os problemas de cada aluno.  O problema é complexo porque a escola é um microcosmo que espelha a violência da própria sociedade. E reflete tanto o baixo reconhecimento social do professor quanto a vulnerabilidade dos próprios estudantes.

Estamos muitas vezes lidando com alunos defasados, desmotivados, de famílias carentes. É algo que precisa ser enxergado não pela via policial, mas do relacionamento – acolhendo os alunos e suas famílias.  Não é algo fácil, mas precisamos romper os ciclos de violência e também dar mais perspectivas de trabalho aos professores, mostrar que seu trabalho não é isolado, é coletivo.

 

Outra questão sempre levantada pelos especialistas em relação aos principais desafios atuais da profissão  do Educador, refere-se a desvalorização da carreira – financeira e socialmente.  Qual sua opinião sobre isso?

Não precisa ser especialista para entender que a baixa valorização e remuneração do professor gera um ciclo vicioso: a carreira não consegue atrair os melhores estudantes, as deficiências de formação se perpetuam e refletem na qualidade do ensino. E essa desvalorização começa na ausência de planos de carreira em grande parte da rede, na defasagem salarial em relação às demais profissões e na formação deficiente.

Eu vou lhe dar alguns números que comprovam o que afirmamos: a cada 100 alunos de pedagogia ou licenciatura, só 51 concluem o curso, o que ilustra algumas das dificuldades de formação de novos professores .  Não é à toa que já faltam professores em algumas disciplinas.

Valorização passa por salário, formação continuada e por (solução de) problemas estruturais. Há professores de física, química e artes, por exemplo, que chegam a acumular centenas de alunos em uma única escola. É muita coisa. E isto não sou eu quem afirmo, são dados oficiais do MEC.

Além disso, há,  também, a desvalorização social. Um levantamento do Índice Global de Status de Professores, que mede o respeito e o status dos docentes na sociedade, colocou o Brasil no penúltimo lugar entre 21 países avaliados.

Portanto, é  preciso reconhecimento público para o professor, indo além da remuneração; isso envolve jogar luz nos bons professores, bater palma para eles, levá-los para a universidade para que contem (a futuros docentes) os segredos que usam na alfabetização, por exemplo.

Especialistas são unânimes em dizer que a formação atual dos professores não dialoga com a realidade que encontrarão dentro das escolas, nem com os desafios da educação para o século 21. Isto tem fundamento?

Tem fundamento. Basta lembrar que não é incomum ouvir de professores novos: ‘não imaginava que seria tão difícil’ ou ‘não tenho a menor ideia de como agir em sala de aula’. Isso porque a formação não os prepara para a docência. O professor leva um choque de realidade: ele não aprendeu elementos para transformar a teoria em ação dentro da sala de aula.

 

O blogueiro teve acesso a uma pesquisa realizada  pela Fundação Lemann perguntando  a professores quais problemas requeriam solução mais urgente nas escolas, e dois dos mais citados foram a defasagem de aprendizado dos alunos e a indisciplina em sala de aula. Ou seja, esses dados da pesquisa batem com o que você está colocando aqui na entrevista!

Sim! Porque é diferente se preparar para dar aula para uma sala de crianças de dez anos e ter na mesma sala crianças de 14 anos, que têm outros interesses e percepções.

Quais os avanços que você citaria, diante de tantos problemas na área de ensino, como solução para alguns desses problemas?

A tecnologia é uma dessas soluções  com avanços significativos; A  tecnologia já ajuda gestores e professores a preparar aulas e acompanhar seus resultados. O Google, por exemplo, disponibiliza ferramentas gratuitas para escolas públicas que permitem criar salas de aula na nuvem, distribuir tarefas, organizar avaliações e medir o desenvolvimento da turma.

Softwares de Inteligência Artificial já são parte da rotina de algumas escolas públicas e privadas brasileiras e, à medida que são usados pelos alunos, incorporam informações sobre eles para melhorar processos de aprendizagem.

Há escolas em Goiânia, São Paulo, Rio de Janeiro e em outras capitais que vivem essa experiência de utilização de novas tecnologias, um conjunto de ferramentas estatísticas que cria mais conhecimento quanto mais os alunos a utilizarem. Por exemplo, em uma sala com 50 alunos, o professor não consegue ver a dúvida exata de cada um. O software faz isso de modo escalonado.

Trocando em miúdos, por si só, a tecnologia não necessariamente impacta a educação de modo positivo. O importante, dizem especialistas, é que ela apoie e não substitua o docente, ocupando um espaço facilitador de tarefas; e  deixar o professor mais livre para a construção do pensamento crítico e analítico e das relações em sala de aula.

 

Você se especializou em Psicopedagogia. O que a levou a buscar essa qualificação?

A Psicopedagogia existe há cerca de 40 anos, e vem despertando a atenção de educadores e outros profissionais que trabalham com processo ensino-aprendizagem, ou que tem contato com pessoas que apresentam dificuldades de aprendizagem. Eu escolhi a especialização por considerar a escola responsável por grande parte da formação do ser humano, e porque o  trabalho psicopedagógico na instituição escolar tem como caráter preventivo o sentido de procurar criar competências e habilidades para solução dos problemas com esta finalidade e em decorrência do grande número de crianças com dificuldade de aprendizagem e de outros desafios que englobam a família e a escola. Eu amo minha especialização. (Fotos: arquivo pessoal/ Reprodução)