O governador do Pará, Helder Barbalho, concedeu entrevista ao jornal O Globo abordando as questões climáticas na Amazônia.

A seguir, matéria assinada pelo repórter Lucas Altino, do jornal.

 

Por Lucas Altino  (Rio de Janeiro)  –  A ajuda federal aos locais que sofrem com a histórica seca e as queimadas precisa ser semelhante à vista na tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul. Esse é o pleito de Helder Barbalho (MDB), governador do Pará, que concentrou 17,5% dos focos de calor do país no ano. Na semana passada, Lula acertou a liberação de R$514 milhões de apoio. Apesar da reclamação de parte dos governadores do Centro-Norte do país, Barbalho acredita que essa Medida Provisória será sucedida por outras, e que a “solidariedade e assertividade” vistas no Rio Grande do Sul se repetirão.

 

De Nova York, onde fechou um contrato de R$1 bilhão para venda de créditos de carbono oriundos da redução do desmatamento no estado, Barbalho explicou que o dinheiro arrecadado será revertido para as ações de enfrentamento aos crimes ambientais. O Pará, apesar de ter reduzido suas taxas em 42% entre 2023 e 2024, segue como o líder de desmatamento no Brasil. Além da fiscalização e repressão, a estratégia demanda nova visão econômica, com a floresta em pé, frisa o governador.

Por outro lado, enquanto toma a dianteira da pauta ambiental e celebra a COP-30 em Belém, o governador admite que municípios façam a gestão da mineração. Como mostrou a série do OGLOBO ” O garimpo no poder”, a atividade traz impactos socioambientais ao Pará. A Procuradoria Geral da República e a Advocacia Geral da União se opuseram a uma resolução estadual que dá às prefeituras o poder de autorizar garimpos. Segundo Barbalho, o estado não tem capacidade de analisar todos pedidos de licenciamentos ambientais.

 

O número de queimadas no Brasil dobrou nesse ano e só o Pará teve 35 mil focos, terceiro maior do país. Por que está queimando tanto?

Existe um cenário mais grave do que o de costume. Já existiram outros anos com anomalias, mas estamos apontando para um novo normal, infelizmente, com a composição de temperatura alta, vegetação seca e ventos acentuados.

 

Mas em 2023 já houve uma seca histórica. Agora houve falhas de prevenção e nas respostas?

Fomos o primeiro estado a decretar, há três semanas, a proibição do uso de fogo para limpeza de pastagem (o governo do Mato Grosso do Sul proibiu o fogo prescrito em abril). Mas a discussão precisa ser melhor estruturada e propus isso à Casa Civil, com tecnologia para não se usar mais o fogo na limpeza do solo. Isso culturalmente sempre existiu, mas não tinha combinação de vento, vegetação seca e temperatura, era controlado. Hoje, o cara quer limpar o hectare dele, mas o fogo fica incontrolável. Segundo ponto é que precisamos fortalecer a formação de brigadistas, com maior nível de equipamentos para municípios, carros pipa e logística mais facilitada de brigadistas nos focos de queimada. E, claro, estrutura mais robusta de aviões e helicópteros.

 

O problema só se resolve com investimentos federais?

Eu proponho excepcionalidade na estratégia orçamentaria do governo federal, num cenário igual se demonstrou, de solidariedade absolutamente acertada, no Rio Grande do Sul. Não quantificando, mas entendendo a urgência e a gravidade. Pontuei isso na reunião semana passada que enquanto no Rio Grande do Sul se dispensou R$40 bilhões, essa excepcionalidade também deve ser praticada nas regiões que estão sofrendo com as queimadas, na Amazônia, Cerrado e Pantanal. O valor dessa dimensão, as demandas haverão de apontar. E me foi respondido que a Medida Provisória (MP) foi apenas uma primeira sinalização diante de uma primeira estimativa. Assim como no Rio Grande do Sul foram mais 20 MPs, aqui não seria diferente na oferta de recursos.

 

O primeiro valor, de R$514 milhões, ainda está muito distante do necessário então.

O estado do Pará já apresentou um plano de trabalho que ultrapassa os R$140 milhões. Acho que precisa apontar que, mediante demanda, Brasil agirá para a Amazônia e para demais regiões atingidas com a mesma solidariedade e assertividade que agiu em favor do Rio Grande do Sul. Essa é a mensagem, sem estar preso aos valores, e sim comprometido às causas.

 

O Pará assinou a venda de 12 milhões de toneladas de carbono por 180 milhões de dólares. Como funciona a operação?

A projeção, feita por uma certificadora internacional, aponta que até 2027, continuando nos níveis atuais de redução, o Pará terá estoque de 390 milhões de toneladas de carbono a comercializar. Agregamos informações que fizeram com que o nosso crédito gerasse altíssima integridade. Tanto que a Coalizão Leaf (que têm como membros os governos dos EUA, Reino Unido, França, além de Amazon, Bayer, BCG, Capgemini, H&M Group e Fundação Walmart) faz comercializações de até 6 dólares, mas vendemos por 15 dólares a tonelada, é o maior preço do mundo. Estão comprando crédito de carbono do estado da sede da Cop, é uma grande oportunidade.

 

Como continuar a redução do desmatamento, que, apesar do resultado recente, ainda é muito alto (36% do desmatamento da Amazônia ocorreu no Pará, em 2023)?

Continuar com forte política de fiscalização, ampliando estrutura e inovando estratégias, elencando áreas de maior pressão, como Altamira, Novo Progresso, São Félix do Xingu, e regiões da BR 163 e Transamazônica. Mas também precisa inverter a lógica do uso do solo e gerar valor à floresta viva. Fizemos agora 30 pagamentos por serviços ambientais a agricultores familiares, de R$1mil por hectare preservado por ano, é o dobro do que recebe se tiver pecuária. E a bioeconomia é uma das estratégias mais importantes. Hoje o Pará passou a Bahia como maior produtor de cacau, atividade que demanda emprego, recupera área degradada e captura carbono. Fora açaí e linha de fármacos. E no próximo mês faremos a concessão para restauro da APA Triunfo do Xingu. Quem vencer, vai ter que replantar. Não basta mais só paralisar o desmatamento, tem que restaurar o bioma.

 

O dinheiro da venda de carbono será repartido com comunidades tradicionais, mas lideranças, como Alessandra Munduruku, afirmaram que não houve consulta aos povos indígenas.

Estamos fazendo escutas gerais com as comunidades. Há dois anos realizando audiências públicas, e agora indo para a parte especificamente da repartição. Nós ouvimos todas as etnias.

 

Enquanto o Pará aposta na agenda ambiental, uma ação no STF, com apoio da AGU e PGR, questiona a resolução do Conselho Estadual de Meio Ambiente que autoriza municípios a liberarem o licenciamento de garimpos. Não é uma contradição essa resolução?

Não temos capacidade administrativa para centralizar o processo de licenciamento ambiental só no estado. A partir disso, o Conselho estabeleceu a diminuição dos pedidos de licenciamento, então os de menor impacto cabem ao município. Isso inclusive é uma prática nacional. E não podemos partir do princípio que municípios não têm capacidade administrativa, ou ética. Se não tiverem, o MP e órgãos de controle devem fiscalizar. Não posso achar que técnico estadual detém probidade maior que um técnico municipal. Até me sinto honrado por acharem (na ação) que temos mais compromisso ambiental para liderar esse processo, mas colocamos a incapacidade quantitativa, não qualitativa.

 

Mas os dados apontam diversos danos ambientais e sociais a partir do garimpo. Os municípios estão fazendo boa gestão dessa política?

Existem casos e casos. A maior parte das áreas contaminadas é federal, que, por falta de fiscalização, é ambiente fértil da ilegalidade. Acho que o governo federal anterior foi absolutamente omisso e o atual tem buscado estruturar a fiscalização. E precisamos de fiscalização e rastreabilidade de produtos minerais. Propusemos isso, mas precisa de legislação federal. O estado faz doações de equipamentos para fiscalização aos municípios.