A população de Marabá, no meio da manhã desta terça-feira, 5, tomou conhecimento da morte do poeta e jornalista Ademir Braz.
Internado no Hospital Municipal de Marabá, Ademir acumulava uma série de problemas de saúde, culminando com um ataque cardíaco, por volta de 9h30.
José Ademir Braz, 74 anos, conhecido como Pagão, estava morando (acolhido) atualmente no Centro Integrado da Pessoa Idosa (CIPIAR). Nesta segunda-feira (4), ele sofreu duas paradas cardiorrespiratórias e foi levado pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) para o Hospital Municipal de Marabá.
Após uma nova parada, nesta terça (5), por volta de 9h30, ele não resistiu e faleceu. A morte do poeta repercutiu e muitas mensagens foram deixadas nas redes sociais dele.
O corpo de Ademir Braz será velado no auditório da OAB, na Folha 26, na Nova Marabá. O horário está sendo definido pela família.
Ademir iniciou no jornalismo em 1972, em A Província do Pará, um jornal da capital paraense que integrava o grupo dos Diários Associados. Publicou “Esta terra” (Belém: Neo¬gráfica, 1981); “Antologia Tocantina” (Marabá: Fundação Casa da Cultura de Marabá, 1998); “Rebanho de Pedras”, todos dominantemente livros de poemas. Em 2015, publicou “A Bela dos moinhos azuis”, único livro de prosa que nos deixou impresso.
Integra várias antologias, entre elas a Poesia do Grão-Pará, organizada por Olga Savary (Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 2001); IX e X Antologias Poéticas Hélio Pinto Ferreira, Concurso Nacional da Fundação Cassiano Ricardo (São José dos Campos, SP, 1995 e 1996) Edição Comemorativa dos 100 anos do Poeta Brasileiro Cassiano Ricardo; “I Antologia de Poetas Paraenses”, (Ed. Shogun, Rio de Janeiro). Além de poesias e contos publicados em vários locais, como no III e V Concursos de Contos da Região Norte, Novos Contistas da Amazônia, (Editora Universitária UFPA, Belém, 1995 e 1997). Recebeu o Prêmio Buiúna em 1999, conferido pela Associação dos Artistas Plásticos de Marabá e Secretaria Municipal de Educação, como destaque da cultura marabaense.
Ademir Braz era membro efetivo da Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense e Cônsul de Poetas del Mundo em Marabá, desde 2006.
A morte de Braz repercutiu imediatamente em todo o Estado.
Em Belém, onde Ademir viveu parte de sua vida, colegas de profissão passaram a escrever sobre a importância do marabaense para o jornalismo e a cultura do Estado.
O jornalista Lúcio Flávio Pinto, uma das amizades construídas por Ademir ao longo dos anos, escreveu em seu blog:
Acabo de saber da morte do Ademir Braz, aos 78 anos, em Marabá. Sob o impacto pela perda de um antigo amigo e companheiro, que estava internado há alguns dias num hospital local, reproduzo artigo que escrevi sobre ele, quatro anos atrás
Eu escrevia uma coluna diária em A Província do Pará chamada Quark (a menor partícula viva, então recém-descoberta, que estava em tudo e em todas, e eu escrevia sobre todos os assuntos). Em 1972, me chegou um texto com o título de A Terra Mesopotâmica do Sol. Li-o, gostei e o publiquei no dia seguinte. Atraí um grande escritor, pronto e acabado, que tinha trabalho burocrático na Western, agência telegráfica.
O marabaense Ademir Braz, o Pagão (por sua irreverência e maneira limabarreteana de ser), se tornou jornalista e continuou a ser poeta. Depois de algum tempo em Belém, voltou à terra natal. Coloquei-o como correspondente de O Estado de S. Paulo em Marabá até o projeto de uma sucursal amazônica no mais influente jornal do país naufragar. Nesse período, grande parte da história amazônica apareceu – às vezes exclusivamente – nas páginas do jornal quatrocentão da capital dos bandeirantes.
Relembro esse passado a propósito de notícia saída hoje no blog do Zé Dudu sobre o Ademir, que reproduzo para os leitores da capital paraense da submissão. O poeta estava no estaleiro. Mas, quando solto, um poeta é sempre um poeta. Parafraseando o reitor da UFPA, vida longa ao poeta Ademir”.
O também jornalista e atual Secretário de Cultura de Vigia (PA), Nélio Palheta, acaba de escrever em sua rede social:
Toda vez que um amigo se vai, parte da minha memória vai junto, se com ele convivi e dividi experiências de vida e profissão.
O amigo Ademir Braz se foi nesta terça-feira, em Marabá, onde residia. Convivemos profissionalmente em duas temporadas. A primeira, quando fomos repórteres de A Província do Pará. Em Marabá, ele foi correspondente do Estadão (num tempo em que um jornal de São Paulo dava-se ao luxo de ter correspondente em Marabá – ponto de atenção no contexto do governo militar, e referência do Milagre Econômico na Amazônia).
A segunda jornada com Ademir foi quando a TV Liberal implantou sua filial em Marabá. Eu era o Diretor de Jornalismo e lá fui busca-lo para ser o Editor da emissora. Foi um grande repórter, excelente redator; divertido companheiro.
Em Marabá, ele continuava atuando como jornalista e ativista cultural, sendo poeta; escreveu contos e crônicas. Em 1981 publicou “Esta Terra” (poesia). Sensível à realidade social da região, onde vivenciou com os dramas sociais de sua gente de tantas enchentes e massacrada pela violência nos campos e nos garimpos, sua obra literária versa sobre os dramas típicos da Amazônia. Em 1991, Ademir ganhou um prêmio de Literatura da Secretaria de Cultura do Estado, com o livro de poesia “Encruzilhada do Sol” (não publicado).
Que sua alma tenha a leveza de um dos seus poemas.
O poema FLUXOGRAMA diz muito do autor:
Não me peçam virtudes.
Essas, não as tenho.
Não como se compreende
a virtude: coerência,
rito aceito, sensatez.
Sou insensato, eis tudo.
A cada dia sou outro:
erro com a rosa dos ventos.
Não me peçam fronteiras
nem definições, fidelidades.
Meu olho sangra muros e o Ser
expõe-se ao tempo, tempestades.
Sou hoje aqui e o agora.
Outros serei amanhã e depois
de amanhã o sol revelará
a face que ainda não me sei.
Só quero viver o meu tempo,
consumir-me – sarça ardente.
Porque é inútil quem não vive
o seu tempo.
Este blogueiro, que foi parceiro de AB na área de jornalismo, fará comentários sobre a importância do poeta maior para o jornalismo e a cultura, nos próximos dias.
O momento é de total apoio aos familiares e aqueles que sentem profundamente a perda de Ademir
Marcio Mazzini
6 de julho de 2022 - 10:03Perda irreparável para a nossa cultura, pelo que produziu, e pela generosidade em buscar e publicar outros poetas e escritores, como a Antologia de Poesia Marabaense, publicada nos anos 1980. Tive a oportunidade de lhe dizer que “Esta terra” foi um grande incentivo que estimulou-me a escrever. Em 2012, ele perguntou se eu tinha algum material para publicar no blog “Gente desta parte”. Enviei alguns poemas, e entre eles “Exílios”, dedicado ao Ademir.
Grande abraço Ademir, que viveu intensamente todos os tempos.
Exílios
Para Ademir Braz
Esta praça em Guajará-Mirim,
não me lembra da Tua
praça de mangueiras ao meio-dia?
E este rio, em Roraima, fugindo do oeste
para o leste vai
se misturar com o Teu,
em um outro cais?
Estas serras – no Tepequém –
são as Tuas, arrancadas
do ventre da terra mesopotâmica do sol ?
E os amores – de quem não cantarei
mais o Amor ?
Ficarei mudo:
Mesmo quando estas crianças
com órbitas vazias
passarem por mim, em Calcutá,
onde nunca estive ?
Então, parido na memória do mundo,
Ficarei mudo:
Enjeitado pela tribo,
mastigando o teu Nome ?
Manaus – AM junho 2003
João Dias Aragão
5 de julho de 2022 - 19:50AINDA QUE TEU PASSAMENTO NOS DEIXE CONSTERNADOS,STO. AGOSTINHO NOS CONFORTA A TODOS,COM A SUA VISÃO DA MORTE.
A morte não é nada (Santo Agostinho)
“A morte não é nada.
Eu somente passei
para o outro lado do Caminho.
Eu sou eu, vocês são vocês.
O que eu era para vocês,
eu continuarei sendo.
Me dêem o nome
que vocês sempre me deram,
falem comigo
como vocês sempre fizeram.
Vocês continuam vivendo
no mundo das criaturas,
eu estou vivendo
no mundo do Criador.
Não utilizem um tom solene
ou triste, continuem a rir
daquilo que nos fazia rir juntos.
Rezem, sorriam, pensem em mim.
Rezem por mim.
Que meu nome seja pronunciado
como sempre foi,
sem ênfase de nenhum tipo.
Sem nenhum traço de sombra
ou tristeza.
A vida significa tudo
o que ela sempre significou,
o fio não foi cortado.
Porque eu estaria fora
de seus pensamentos,
agora que estou apenas fora
de suas vistas?
Eu não estou longe,
apenas estou
do outro lado do Caminho…
Você que aí ficou, siga em frente,
a vida continua, linda e bela
como sempre foi.”
Santo Agostinho