Somente agora o blog reproduz, na íntegra, artigo de Lúcio Flávio Pinto tratando das eclusas de Tucuruí, que não deverá servir de elevador para todas as embarcações transpor os desníveis do Tocantins.
Eclusas de Tucuruí: Caminho de saída
Lúcio Flávio Pinto
No ano passado foi inaugurada no Pará uma das maiores obras de engenharia hidráulica no mundo. Os paraenses esperaram por ela durante três décadas. Agora, parecem não se dar conta do seu significado e do que fazer com ela em seu benefício. Pode ser mais um cavalo de Tróia.
Quatro meses depois de inaugurado, o sistema de transposição da barragem da hidrelétrica de Tucuruí ainda é um mistério para os paraenses, que esperaram durante quase 30 anos pela conclusão da obra. Seu custo é impressionante: 1,6 bilhão de reais. Equivale à maior obra de engenharia hidráulica do mundo: as duas portas de aço que protegem das grandes cheias do Mar do Norte o porto de Rotterdam, na Holanda, o maior da Europa. Mas ainda está longe de permitir a navegabilidade da bacia do Araguaia-Tocantins, que drena 10% do território brasileiro, em seus 2,4 mil quilômetros de extensão.
Pelo contrário: as duas eclusas vão tornar proibitiva a navegação nesse trecho para as pequenas embarcações, que fazem o transporte no baixo Tocantins. Para poder ter acesso aos elevadores hidráulicos e ao canal de concreto, com 5,5 quilômetros de extensão (percurso que será feito em uma hora), a embarcação precisará contar com defensas para se proteger das muralhas laterais das câmaras, que têm 140 metros de extensão.
Terão que dispor ainda de cabos de amarração para ficarem engatadas aos cabeçotes flutuantes, e rádio do tipo VHF, necessário para a comunicação com o operador da eclusa. Só farão a eclusagem as embarcações legalizadas junto à autoridade marítima e cujo condutor seja aquaviário, devidamente legalizado.
A esmagadora maioria das embarcações em operação na região não atende a essas exigências e nem possui condições para preenchê-las, por seu custo, proibitivo para esse tipo de negócio. As providências são necessárias para proteger tanto as embarcações que atravessarem o sistema de transposição como as instalações das eclusas.
O problema é que ninguém pensou na navegação local, nem no habitante nativo da área sob a influência da barragem, que é visto apenas como elemento decorativo da paisagem. O objetivo é atender grandes e poderosos clientes, como os mineradores e os produtores de grãos.
Sempre foi essa a preocupação dos que projetaram os “grandes projetos” na Amazônia, a partir dos anos 1970: identificar os locais onde estavam depositadas as riquezas naturais da Amazônia, como os minérios, e viabilizar meios de transporte até o litoral, de onde a produção seria levada para mercados externos, cada vez mais distantes (em princípio, os Estados Unidos e a Europa; por fim, a Ásia).
No caso de Tucuruí, a busca foi pelo máximo de energia a ser gerada num único ponto. Ao invés de três ou quatro barragens rio a montante, até Itupiranga, que poderiam vencer sucessivamente desníveis médios de 20 metros, um único represamento de alta queda, que provocou desnível de 70 metros. Com isso, possibilitou o máximo de energia, que chegou a 8,4 mil quilowatts.
Em compensação, foi preciso construir duas enormes eclusas e um longo canal intermediário entre elas para permitir a transposição, num dos maiores sistemas desse tipo em todo o mundo. O desnível é do tamanho de um prédio de 33 andares, como o Real Class, que desabou em Belém no dia 29 de janeiro, no maior acidente da construção civil na capital paraense (embora com menos mais vítimas do que o outro grave episódio, de 24 anos antes).
Para se ter uma idéia do que representou essa decisão, tomada na metade da década de 70 do século passado, basta compará-la com a opção adotada pelos construtores das duas hidrelétricas em andamento no rio Madeira, em Rondônia. Juntas, elas vão gerar 80% da energia produzida por Tucuruí. Os projetistas descartaram liminarmente a alternativa de levantar uma única barragem no Madeira, o principal afluente do rio Amazonas.
Ao invés de uma só usina, com barragem de 40 metros, formando um grande reservatório, optaram por duas estruturas: Jirau, com desnível de 12 metros, e Santo Antônio, com altura de pouco menos de 20 metros, ambas formando pequenos reservatórios, em conjunto equivalentes a um quinto da área inundada pela represa de Tucuruí, com seus 70 metros.
Como a missão da Eletronortre, concessionária da usina, era se responsabilizar exclusivamente pela energia, que iria atender os dois maiores consumidores individuais do Brasil (a Albrás, em Barcarena, e a Alumar, em São Luís do Maranhão, responsáveis por quase 3% de toda demanda nacional), as eclusas foram entregues aos parcos recursos da Portobrás.
A empresa portuária do Ministério dos Transportes foi extinta durante o acidentado percurso da obra e nenhum sucessor deu-lhe andamento. Ela só foi retomada em 2006. Por ironia, quando o Ministério dos Transportes delegou a tarefa à Eletronorte, que a descartara 25 anos antes.
O nó górdio atado em 1979 foi desfeito e a racionalidade – ao menos a formal – foi restabelecida: quem barrou o rio que lhe restabeleça a navegabilidade. Com a enorme vantagem, para a Eletronorte, de executar o serviço com recursos do governo. E maior vantagem ainda para a Construtora Camargo, que mantém seu canteiro em Tucuruí há 36 anos, talvez recorde nacional.
Com dinheiro fluindo através do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), não faltaram recursos para que a empreiteira lançasse mão de um bilhão de reais até levar à inauguração das eclusas, em 30 de novembro do ano passado. O ato recebeu as bênçãos do presidente que saía e da sua sucessora, ambos do mesmo partido, o PT, constituindo o casal que gerou e acalentou o PAC: Lula e Dilma Rousseff.
O sistema permitirá a passagem de 40 milhões de toneladas de carga por ano nas duas direções, através de comboios com capacidade para 20 mil toneladas e calado máximo de 4,50 metros. É quase 10% a mais do que a barragem da hidrelétrica de Três Gargantas, na China, que deverá se tornar a maior do mundo, quando (e se) alcançar sua capacidade nominal de geração, mas que conta com cinco eclusas, três a mais do que Tucuruí.
É uma poderosa via de transporte de carga. Mas para quem acha que só agora está sendo corrigido o golpe traiçoeiro dado no Pará nos anos 1970, quando foi decidido escoar a produção de minério de Carajás por ferrovia até o litoral do Maranhão, e não pela costa do próprio Pará, usando o Tocantins, é bom não esquecer que a capacidade da ferrovia de Carajás já ultrapassou 100 milhões de toneladas – e ainda poderá ser expandida. Ninguém jamais previu tanto. Nem a Vale.
Fica cada vez mais claro que essa decisão estava coerente com a razão de ser do projeto: criar volumes crescentes de minério para exportação com o objetivo de chegar ao Japão e, em seguida (o que não foi cogitado inicialmente), à China, com preço melhor, graças à excepcional qualidade do minério de Carajàs (com teor de 66% de hematita pura, o dobro do australiano) e ao custo decrescente do frete ferroviário até o porto (a partir da escala de 60 milhões de toneladas, se tornou igual ou inferior ao frete hidroviário).
As eclusas de Tucuruí se enquadram nesse modelo. Elas deverão escoar minérios e produtos siderúrgicos (como ferro gusa e chapas de aço), além de grãos, no sentido sul norte, e os contêineres da Zona Franca de Manaus na direção contrária, no maior fluxo desse tipo de carga em todo país, além de outras possibilidades, como a do gás, que dependem da evolução da pesquisa, da produção e do mercado. Mas tudo em grandes quantidades, o que acarretará o uso oligopolístico do sistema de transposição, em condições de receber 24 comboios diários nas duas direções.
Essas perspectivas só se consumarão definitivamente se outras obras forem realizadas, a montante e a jusante de Tucuruí. Uma das maiores é o derrocamento dos 40 quilômetros do Pedral do Lourenço, acima da barragem, a dragagem do baixo Tocantins, a ampliação do porto de Vila do Conde (ao custo de R$ 700 milhões), o porto de Marabá, e mais as eclusas de Lajeado, no Estado do Tocantins, e Estreito, no Maranhão. No final, talvez o dobro do que se gastou nas eclusas de Tucuruí.
Pode parecer exagero, mas, depois de tantos anos de investimento, a hidrovia Tietê-Paraná ainda tem uma capacidade de carga que é uma oitava parte do que pode ser utilizado em Tucuruí. Não para o benefício da população local e das atividades internas, mas como mais um caminho de passagem de riquezas naturais rumo ao exterior.
Essa é também a perspectiva do superporto da ponta da Tijoca, em Curuçá, no litoral nordeste do Pará. Será um terminal de embarque e reembarque de commodities, caso realmente seja exeqüível o projeto de construir um terminal próximo ao litoral (dois quilômetros e não de 8 a 11, como se previa), com um canal de acesso profundo, protegido das fortes correntes marítimas e com um fundo estável. Será mais um ponto de lançamento de riquezas para fora e não, como se deseja, um fator de indução do desenvolvimento para dentro. Nessa direção, o destino concebido é o do despejo dos restos do banquete que está sendo servido a privilegiados comensais no Pará.
Andre
27 de abril de 2011 - 23:49As estatísticas apontam um vertiginoso crescimento da violencia no Pará, especialmente a partir do ano 2000. Da mesma forma estas mesmas estatísitcas demonstram uma igualmente vertigionosa diminuição da população rural em relação a população urbana: em 1991 48% da população paraense estava em área rural, em 2010 esse número já é de apenas 32%. Já a taxa de homicidios em 1991 era de 16,4 para cada cem mil habitantes no Pará, em 2007 já era de 30,3 para cada cem mil habitantes. Falta saúde, educação, mas falta principalmente uma política de valorização dos pequenos produtores rurais. Essas eclusas são mais um descalábrio que por certo dará mais uma forcinha para o exodo rural em nosso estado e consequentemente provocará certamente mais aumento na criminalidade.
Anônimo
5 de abril de 2011 - 21:44Eclusas,
Fiz reportagens a respeito da eclusa do Lajeado, que será localizada à direita do Tocantins, na área de influência da barragem da UHE do Lajeado, próximo a Palmas. No local, a Construtora Camargo já abriu num imenso pedral, as primeiras derrocações de um futuro canal e ficou nisso. O canteiro de obras lá existe e é mantido pela construtora. Siqueira Campos, atual governador prometeu na campanha que o elegeu, que as obras seriam retomadas. Sei não..
Fui a Estreito e Aguiarnópolis para outros trabalhos, e lá os engenheiros do consórcio que está construíndo a UHE, não quiseram comentar nada quando tocamos no assunto das eclusas. Portanto, navegação mesmo pelo Tocantins é de Vila do Conde a Marabá, isso bem depois que fizerem o derrocamento do canal dos pedrais do Lourenço.
De novidade mesmo, caro Hiroshi, há em curso a criação de um porto fluvial para o Tocantins no projeto de governo do Siqueira, que será construído-o no município de Praia Norte. A Pipes, já está instalada lá. Pretende construir um grande estaleiro no local. Já existe reserva para armazenamento de combustível que seria transportado para o Tocantins de Vila do Conde. O projeto é grande.
Abraços,
Agenor Garcia.
Lúcio Flávio Pinto
5 de abril de 2011 - 18:46Caro anônimo. As exigências, é claro, têm que ser feitas. Tanto para a segurança de quem navega quanto das instalações das eclusas. É assim em todas as transposições de barragens, ainda mais na de Tucuruí, das maiores que há. Com a informação, inquestionável, o que quero dizer é que a pequena navegação regional estará de fora das eclusas, ao contrário do que tem sido alardeado, inclusive no blog do Hiroshi. E ao contrário da presunção geral, a grande obra inaugurada ainda não funciona regularmente. Os paraenses precisam se interessar por ela. Se é que querem tirar realmente proveito dela. Um abraço, Lúcio Flávio Pinto
George Hamilton Maranhão Alves
4 de abril de 2011 - 18:31Lúcio Flávio Pinto, um defensor da Amazônia e um denunciador das mazelas que recaem sobre a região. Que esse brilhante intelectual continue assim! Ele acaba tocando no pecado original que ocorreu lá atrás, na década de 70 do século passado, ou seja, a construção da hidrelétrica. Nosso passado e nosso presente estão encadeados: o governo Lula, de centro-esquerda, deu sequência a esse contexto de uma Amazônia exportadora em detrimento do nativo amazônida. Sou eleitor do PT, do Lula e da Dilma, mas sinto que a autocrítica é um remédio que a vida exige para que se continue a viver.
ANONIMO
4 de abril de 2011 - 08:30Nessa linha de raciocínio,as pessoas deveriam continuar andando de moto,sem capacete e sem habilitação,dirigindo carros sem habilitação e sem usar cinto de segurança,assim como fumando e falando ao celular.Aonde já se viu …peraí seu L. Flávio,o mais dificil era construir as eclusas;agora,quem quiser usá-las,que se enquadre nas exigencias legais,que servirão para todos,diga-se .