Em São Domingos, na quarta-feira, converso com dona Matilde, a contar estórias do filho que deixou a casa prometendo voltar ‘homem vencido na vida’. Botou a perna no mundo, dizendo pra vizinhança, cheio de sonhos, disposto a tentar a sorte em Ourilandia do Norte, trabalhar numa ‘gata’ que lhe desse condição de ganhar trocados para voltar endinheirado. A compra de uma casa pra mãe era o objetivo maior ‘do pegar a estrada’.
Jonas, de 17 anos, partiu em marco deste ano. Nos três primeiros meses mandou de volta dois recados em envelopes contendo R$ 250,00 e R$ 170,00, cada; e uma carta contando que estava bem, trabalhando de pedreiro numa firma da Vale do Rio Doce,
Dia 28 de agosto o corpo do garoto foi encontrado, crivado de balas ,em Altamira, sob a suspeita de integrar um bando de assaltantes de estrada.
Ao ouvir dona Matilde contando as virtudes do filho enterrado, depoimentos de vizinhos que o viram crescer -, “atencioso, com vontade de dar à mãe uma vida melhor” -, veio à mente um canto de Gonzaguinha, “Com a Perna no Mundo”, que Tereza Cristina deu um balanço gostoso embalada pelo Grupo Semente.
Acreditava na vida
Na alegria de ser
Nas coisas do coração
Nas mãos um muito fazer
Sentado bem lá do alto
Pivete olhando a cidade
Sentindo cheiro de asfalto
Desceu por necessidade
Ô Dina
Teu menino desceu o São Carlos
Pegou um sonho e partiu
Pensava que era um guerreiro
Com terras e gentes a conquistar
Havia um fogo em seus olhos
Um fogo de não se apagar
Diz lá pra Dina que eu volto
Que seu guri não fugiu
Só quis saber como é, qual é
Perna no mundo sumiu
E hoje, depois de tantas batalhas
A lama dos sapatos
É a medalha que ele tem pra mostrar
Passado, é um pé no chão e o sabiá
Presente é a porta aberta
E o futuro é o que viráô ô e e á
O moleque acabou de chegarô ô e e á
Nessa cama é que eu quero sonharô ô e e á
Amanhã boto a perna no mundoô ô e e á
É que o mundo é que é meu lugar
Bia
10 de setembro de 2007 - 17:12Caro Hiroshi,
conheço, como você, muitas Matildes e Jonas, e quando não os re-conheço Marias e Josés como eles, nas páginas policiais. O Chico também fala dos Jonas, através dos “Guris” cujas mães ficam rezando até eles chegarem lá no alto, porque essa onda de assaltos tá um horror…
Eu, que hoje em dia convivo muito mal com as minhas frustrações porque reconheço um Brasil, de Matildes e Jonas, muito aquém daquele que sonhei ser capaz de construir, nem sempre sei o que dizer a um jovem. Mesmo quando, pressionada por ter dois filhos também jovens, tento ser menos egoísta e deixar de olhar minhas dores em volta do meu umbigo para procurar ser generosa com o futuro alheio. Mas, essa generosidade tromba na realidade e, além de conversar sempre que posso, especialmente com jovens negros de comunidades quilombolas, sei que não há estímulos ou caminhos institucionais para apontar para a juventude.
Há muita empulhação, muita promessa, muitos atos de contrição, muitos discursos, programas à ufa! Sobre os discursos, os programas, as promessas e as rezas, paira no ar o acachapante discurso do mérito: ” vença na vida pelas suas qualidades, pelo seu esforço, etc. e tal” , Isso leva o jovem a acreditar que ele é que é o fracasso. E aí, a saída é pelo telhado ou pela porta dos fundos. Da sociedade e, muitas vezes, tão precocemente, da vida.
Aos jovens não se reconhece que uma educação de baixa qualidade não o habilita a pensar. Ninguém assume para eles que o país não cria postos de trabalho para absorver os que chegam ao mercado pela primeira vez. Não lhes dizem que os poucos que surgem são disputados na risca da faca pelos chefes de família desempregados. E aí, onde os sonhos terminam, é no Ver-o-Peso vendendo CD pirata, ou engrossando as fileiras dos meninos do tráfico.
Sei que este lamento também nada tem de produtivo. É só mais um desbafo, ao som de outra música do Gonzaguinha:
“Eu acredito é na rapaziada
que segue em frente e segura o rojão
Eu ponho fé é na fé da moçada
que não foge da fera e enfrenta o leão
Eu vou à luta com essa juventude que não corre da raia a troco de nada
Eu vou no bloco dessa mocidade
que não tá na saudade e constrói a manhã desejada”
Abraço grande.
Hiroshi Bogéa
10 de setembro de 2007 - 01:24Anonimo 6:57 PM, infelizmente, poucos irão listar sua recomendação. A insensibilidade da maioria está vacinada contra esse Bem.
Volte sempre.
Anonymous
9 de setembro de 2007 - 21:57Um recado aos políticos com “P” maiúsculo, de todos partidos, tendências, cores e credos…
Se existe alguma razão para a Política existir, essa seria uma delas, para evitar que isto aconteça e se reproduza em nossa sociedade, como, em massa, vem ocorrendo…
(Política) Para que possamos identificar nossos objetivos (maiores), conhecer os nossos adversários, reconhecer nossos aliados, e não nos apequenarmos diante de nossas ambições (menores).
Hiroshi Bogéa
9 de setembro de 2007 - 17:58Pois é Yudice, um dia, quem sabe, a gente passe a contar histórias melhores do que essa.
Bom domingo.
Hiroshi Bogéa
9 de setembro de 2007 - 17:57Bela é a vida com qualidade, parceiro.
Bom dia. Esta semana acho que não tem “aplique”..rsrs
Anonymous
9 de setembro de 2007 - 17:17O Sul do Pará está cheio de Jonas. A maioria só querem viver melhor, ao lado da família. Como não existe política social nos município, assaltos e crimes são os caminhos mais curtos.
Anonymous
9 de setembro de 2007 - 16:32A descrição dessa tragédia mostra como surgem as gangs de estrada. Mostra a dura realidade do jovem que sonha e não tem ao alcance as ferramentas necessárias para enfrentar a concorrência: conhecimento e orientação.
Fiquei emocionada.
Lúcia Maria – Tucuruí.
Yúdice Andrade
9 de setembro de 2007 - 14:10Bela história, infelizmente com o desfecho que vai se tornando cada vez mais rotina. Vale a pena revelar esses acontecimentos, como advertência para os vivos. Quem sabe assim se consegue ter histórias semelhantes com um desfecho melhor.
PS – Belo samba.
Juvencio de Arruda
9 de setembro de 2007 - 12:01Belo post sobra a tragédia,que nunca é bela, Hiro.
Bom dia.