O Clube de Mães de Marabá, durante a época da ditadura militar, teve outras funções, além de servir de salão de festas e espaço dedicado ao ensino da prática de costura.

Ecoando entre o tilintar das máquinas de costurar, havia também outro som.

O som dos gestos humanitários que dona Creusa Salame espalhava, silenciosamente, no seio de uma comunidade perdida às margens do rio Tocantins, quase que totalmente isolada.

Professora chegada a Marabá nos anos 50 vinda do município de Igarapé-Açu -, Nordeste do Pará – a irrequieta Creusa não se resguardou, como quase toda a sociedade local, diante dos efeitos do regime ditatorial.

No interior de prédio do Clube de Mães, ela tocou pequenos projetos que atendiam de imediato às necessidades das famílias mais pobres da cidade, mais do que esquecidas pelas autoridades em pleno regime ditatorial, que eclodiu em 1964.

Como ato de rebeldia, dona Creusa não dizia “Sim” à acomodação da sociedade.

Mostrava, com as ações sociais, que era possível fazer alguma coisa diferente.

Não ser indiferente à repressão política.

E fez.

E continuou a fazer por toda sua vida, até vir a falecer em setembro de 2020, vítima de complicações causadas pelo coronavírus.

Nem o Mal de Parkinson a dominou, doença que lhe acompanhou por mais de 15 anos.

Dona Creusa dava costas à enfermidade fazendo diariamente aquilo que mais gostava de fazer: ajudar ao próximo e valorizar a Arte.

Quem descreve a extensão (e profundidade!) da sensibilidade artística de Creusa Salame é a artista plástico Vitória Barros.

Vejam o que ela escreveu sobre a igarapé-açuenses, depois marabaense por paixão:

 

Dona Creusa encontrou nas artes um projeto de vida e cura que empreendeu com afinco nos últimos 15 anos de sua existência.

Foi uma Poetisa que escreveu com linhas e bordados suas estórias. Recortou emoções, coletou cacos de memórias, e cerziu uma amálgama de afetos conquistando espaço, atenção e o carinho do circuito de artes em Marabá.

Sempre dedicada, produziu incansavelmente até não poder mais. Aos 10 anos se iniciou na costura, ofício que mais tarde lhe levaria a um pensamento muito particular de expressar sua arte, a assemblage.

São inegáveis as semelhanças estéticas aos movimentos de expressão construtivista. As cores e as formas bem marcadas ou geométricas, a justaposição de texturas e volumes como elementos básicos em muitas de suas criações

Ao confeccionar seus queridos panos de prato, multicoloridos e incomuns para um simples dono de casa, ou em seus pássaros de cerâmica, entre botões e aviamentos, Creusa expressou uma incrível vontade de viver com arte, e isso a saudamos!

E assim se apaziguaram, panos de prato e de chão!

 


Além de desenvolver atividade sociais por onde passou, Creusa Salame teve atuação humanitária dentro da Igreja Católica, onde também deixou sua marca de cidadania em favor dos oprimidos.

Muito antes do surgimento das chamadas Comunidades Eclesiais de Base, dentro da igreja católica, Creusa já reunia suas tribos em dimensões menores para espalhar o discurso do coletivo, orientando-as a se organizarem em busca de melhores condições de sobrevivência.

Ela fez isso, sem outra intenção que não fosse fazer o Bem.

No meio artístico, ganhou o respeito de todos, até ser conduzida, à unanimidade, membro da Academia Marabaense de Letras.

Neste domingo, a memória de Creusa da Silva Salame será festejada.

Denominada “Memória Entre Costuras”, haverá exposição em homenagem à saudosa marabaense, considerada uma das figuras mais importantes da literatura e artes plásticas de Marabá.

Evento ocorrerá neste domingo, 6, a partir das 16 horas, na Praça São Félix – exatamente onde fica a Toca do Manduquinha.

Durante exposição, haverá sarau poético literário musical com versos de dona Creusa, evento que abre a “Semana do Dia Internacional da Mulher 2022”.

Para efeito de registro, Creusa foi casada com Roberto Salame, comerciante dos mais conceituados – e ambos tiveram os filhos João Salame (ex-prefeito de Marabá), Lícia Salame; Simone Salame e Beto Salame (ex-deputado federal).