Marabá, nos idos anos 60 e 70, foi um dos municípios do país que mais serviu de abrigo para o povo libanês.

Prova maior desse processo migratório libanês ao território marabaense é o grande número de famílias descendentes de sírios e libaneses que hoje ajudam a construir a cidade.

Em verdade, a vinda de libaneses para Marabá data do final do século 19.

O blogueiro conta um pouquinho desse processo migratório e o quanto o povo libanês tem laços familiares fortes com a nação brasileira.

O Líbano é o país que abriga o maior número de brasileiros no Oriente Médio, com uma comunidade estimada em 21 mil pessoas.

Os esforços atuais do governo Lula  para resgatar alguns desses cidadãos, que solicitaram repatriação em meio ao conflito entre Israel e Hezbollah, chamaram a atenção para as profundas ligações entre o Brasil e o Líbano. (Na imagem acima, brasileiros-libaneses desembarcam no Brasil no primeiro voo de repatriação do Líbano, semana passada).

Além dos brasileiros vivendo no país, a relação também é fortificada pela enorme comunidade de libaneses e descendentes de libaneses que migraram para nosso país desde o final do século 19, como registrado mais acima.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 12.336 libaneses residiam no Brasil em 2010, data do último censo com resultados divulgados. Essa cifra correspondia a 2,9% do total de estrangeiros no país naquele momento.

Mas quando se fala da comunidade libanesa no Brasil, os números estimados são muito maiores. Entre cidadãos e descendentes, a Associação Cultural Brasil-Líbano fala em algo em torno de 8 milhões de pessoas.

Isso faz do Brasil o país com a maior comunidade de libaneses e descendentes do mundo, à frente até mesmo da população do próprio Líbano, que é de cerca de 5,5 milhões atualmente.

Mas como os dois países construíram laços tão fortes, apesar da distância e das diferenças culturais que os separam?

 

A diáspora libanesa

O grande fluxo da migração libanesa ao Brasil data do final do século 19. O primeiro navio com destino ao porto de Santos saiu de Beirute em 1880.

Na época, o que hoje é conhecido como o Líbano encontrava-se sob o domínio do Império Turco-otomano e um sentimento de descontentamento com a situação política, econômica e religiosa motivou um processo de emigração.

“Muitos cristãos sofriam perseguição religiosa, ao mesmo tempo em que o trabalho e as terras ficavam cada vez mais escassos”, reconta Nouha B. Nader, diretora Cultural da Associação Cultural Brasil-Líbano, em um livro que ela publicou sobre o tema.

Oswaldo Truzzi, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e especialista em sociologia das migrações, numa entrevista à GloboNews, explica que a entrada de bens industrializados baratos chegados principalmente da Inglaterra e da França na mesma época também impulsionou a onda migratória.

“Uma ampla gama de bens manufaturados começou a inundar os mercados locais, minando a produção domiciliar e em pequena escala de diversas famílias no interior do país”, diz. “Isso fez com que muitas famílias passassem a enviar alguns de seus membros para o exterior para ajudar no sustento.”

Truzzi afirma ainda que a mudança no regime de alistamento militar do Império Otomano, que se tornou obrigatório por volta do ano de 1909, antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, também motivou muitos homens jovens a deixarem o país.

Cartão postal de um barco que levava imigrantes árabes ao Brasil (Wikimedia Commons)

Por fim, também se atribui ao imperador Dom Pedro 2º parte da responsabilidade. O último monarca do Império do Brasil teria, durante uma visita ao Líbano em 1876, divulgado o país para a população local.

“Ele contou à população local que o Brasil era a terra da riqueza e da prosperidade, onde havia boas perspectivas de trabalho”, diz Nader.

Segundo a diretora da Associação Cultural Brasil-Líbano, os jornais da época noticiaram amplamente a informação, o que também ajudou a construir uma imagem positiva do país entre a população.

 

Destino: América

A grande maioria dos libaneses que deixaram sua terra natal no final do século 19 e início do 20 se dirigiu às Américas.

O grupo era formado principalmente por cristãos, que foram atraídos para a região também pela proximidade religiosa.

Entre 1870 e 1930, os registros são de cerca de 330 mil migrantes que deixaram o que na época era chamado de Bilad al Sham ou “Grande Síria” (territórios que hoje abrangem a Síria, o Líbano, os territórios palestinos e Israel), segundo o Centro Khayrallah para Estudos da Diáspora Libanesa da Universidade Estadual da Carolina do Norte.

Cerca de 120 mil desses migrantes foram para os EUA e outros 210 mil seguiram para a América do Sul, principalmente para Argentina e Brasil.

Naquele momento, os documentos não distinguiam a origem exata dos imigrantes, o que dificulta a contabilização exata da diáspora libanesa.

Mas segundo Oswaldo Truzzi, inicialmente a maior leva se dirigiu para os EUA, onde acreditavam haver melhores oportunidades econômicas.

Aos poucos, porém, o sucesso das famílias que escolheram o Brasil como novo lar passou a atrair cada vez mais interessados, fazendo com que a comunidade crescesse.

Uma escola em Foz do Iguaçu, para a comunidade libanesa e iraquiana (Getty Images)

Entre 1884 e 1933, 130.000 sírios e libaneses entraram no Brasil pelo Porto de Santos, segundo o pesquisador Jeffrey Lesser, professor de história e diretor do Programa de Estudos Latino-Americanos e Caribenhos da Emory University.

É desta época a abertura do primeiro consulado brasileiro em Beirute, em 1911.

“O Brasil da época não tinha uma classe média desenvolvida. Tínhamos os donos das terras e uma população mais pobre, descendente dos ex-escravizados”, diz o sociólogo Oswaldo Truzzi. “Isso deu espaço para que os libaneses se consolidassem na área comercial e experimentasse uma ascensão econômica e mobilidade social.”

A comunidade se fixou principalmente no estado de São Paulo, onde um centro comercial já começava a se desenvolver em torno da economia cafeeira. Mas alguns libaneses também fixaram residência em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e, em menor escala, em outros estados, como o Amazonas, para onde alguns libaneses se deslocaram durante o ciclo da borracha.

Após a primeira onda migratória, o Brasil recebeu pelo menos outras duas grandes ondas de libaneses: uma delas entre 1921 e 1940, também de maioria cristã, e uma segunda entre 1941 a 1970, com maioria de imigrantes muçulmanos fugindo dos conflitos sectários em seu país natal.

O fluxo diminuiu desde então, mas o Brasil segue recebendo libaneses, especialmente do sul do país.

 

Retorno para o Líbano

Ao mesmo tempo, alguns dos libaneses e descendentes que mantiveram família no Líbano acabaram retornando, formando então uma comunidade brasileira no país do Oriente Médio.

“Alguns se mudaram definitivamente, outros vão e vem na medida que as oportunidades aparecem”, explica Truzzi. O pesquisador diz ainda que muitos desses imigrantes brasileiros acabam por fomentar os laços entre Brasil e Líbano atuando na área de exportação e importação entre os dois países.

Entre janeiro e setembro de 2024, o Brasil exportou o equivalente a US$ 345,9 milhões ao Líbano e importou US$ 1,4 milhão.

Nouha Nader, da Associação Cultural Brasil-Líbano, afirma que muitos descendentes de libaneses deixaram o país e voltaram ao Líbano durante as décadas de 1980 e 1990, quando o Brasil entrou em uma crise econômica que só seria dispersada com a consolidação do Plano Real.

“Os libaneses e seus descendentes que viviam aqui, muito dependentes do comércio, decidiram então retornar ao Líbano carregando consigo suas raízes brasileiras”, diz. “A maioria encontra-se no Vale do Bekaa, onde falam português e comem a comida daqui.”

Nader também cita a existência da Avenida República do Líbano na cidade de São Paulo e de uma Rua Brasil próxima ao porto de Beirute, assim como vários outros intercâmbios culturais e artísticos como parte dos fortes laços entre as duas nações.