Nomes: Sinésio. Alda. Alfredo. Lourdes. José Patrício. Vanú. Barbadinho. Creuza. Pedro Borba. Abdias. Manoel da Mata.

Idade média: 65 anos.

O que cada um tem a ver com cada qual?

Abdias “perdeu o juízo”.

Sinésio, arrancado 5 da manhã de casa, nem teve tempo de se despedir. As marcas no corpo ficaram. Pernas. Braços. Costas. Marcas físicas e espirituais.

Alda perdeu o marido e ficou perambulando pela mata com três filhos ainda pequenos, sem chegar a lugar algum. Sem cobertor para abafar o frio. O filho mais velho, encontrado apenas restos de corpo sobre pedrais de Santa Isabel, hoje é apenas uma foto na parede ampliada da carteira de identidade achada meses depois n’algum lugar da mata.

Alfredo até hoje pede ajuda da filha de 55 anos para lembrar de trechos da história. Não consegue completar uma frase sem o auxilio de Maria que de crescer ouvindo cada lance da tragédia nos cantos da casa, tudo sabe. E quando conta, a emoção a faz chorar.
Como por osmose, sente cada choque aplicado no corpo do pai nos idos setembro de 1973.

Pedro Borba era quem ajudava a curar as feridas abertas por todo o corpo de Abdias -, o vizinho das gostosas conversas nas noites mornas e silenciosas das casas simples de São Domingos – naquela época ainda “das Latas”.

Cada porrada de um “negão de dois metros de altura” nas pernas e mãos de Abdias abriu imensos buracos carcomidos por bichos a andar seu corpo. O amigo Borba, menos torturado, reservava forças para lhe dar sobrevida. Os dois fizeram também o “trajeto do terror”, que saía da então São Domingos das Latas, fazia a primeira parada no “Angelim” (Incra de Marabá), esticava até a Bacaba (km 50 da Transamazônica), voltava a Marabá, jogados depois num Búfalo da Aeronáutica com destino a Araguaína.

Lurdes só lembra do marido jogado em um Jeep por dois indivíduos identificados rapidamente como “homens da mata”. Ela nem sabia tratar-se do Exército, ficando depois 90 anos esperando, esperando, esperando pela volta do chefe da família. Esperando como Pedro-Pedreiro.

“Barbadinho”, comerciante conceituado, sem saber quem eram os clientes “paulistas”, fez amizade com Osvaldão e Zé Carlos, de comer o mesmo frito quando os visitava no interior da floresta levando o rancho do mês que os “homens da mata” compravam religiosamente em sua mercearia de São Domingos. Por comer esse mesmo frito, percorreu o “trajeto do terror”.
Ele garante nunca ter levado um tapa, “mas choque peguei todo enquanto estive lá”.

Creuza tirava o filho de dois anos que levava na cangalha do jumento e, suspendendo-o, mostrava o rebento aos ocupantes do helicóptero a sobrevoar insistentemente sua cabeça quando ela se dirigia pela estrada da colocação de castanha até a residência em São Domingos das Latas. O marido não via fazia cinco meses. E até hoje.

Ficaram na memória poucos traços do rosto do pai de seus cinco filhos. O único homem de sua vida, ela não lembra como era.

José Patrício é o mais falante. Parece nem ter feito cinco vezes o trajeto do terror.
Chora e ri ao contar seu drama, reunindo humor e frases de efeito interessantes. Seu estado de espírito impressiona.
Comparando-o aos outros dez farrapos humanos, paira suspeitas da veracidade de suas histórias. Mas ele as viveu igualmente aos outros. São vizinhos de mesma rua e cidade desde 1960.

Uma pilha de livros numa prateleira da sala de sua casa arrumadinha, habitada por Machado de Assis, Olavo Bilac, Álvares de Azevedo, Jorge Amado e uma Bíblia -, pode explicar o “milagre”. São quinze volumes dos autores citados, consumidos ao longo dos últimos 30 anos – “depois que saí do Juliano Moreira, onde passei seis meses”.

Manoel da Mata quer falar. Ensaia contar alguma coisa, mas a mulher, calada e com olhos frios fixos nos olhos quase mortos do esposo, o censura.
Silencio. Só o ruído de um galo a cantar no terreiro limpo sob a sombra de imenso sítio rico em laranja, tangerina e goiaba.

O casal vive sozinho. Pouco fala entre si, conta Zuleide, irmã de Rosilda, a mulher do negro

Manoel, hoje com 92 anos, exercita auto-censura desde quando foi carregado de casa, às 5 da manhã, para ‘conhecer’ Angelim, Bacaba, e Araguaína.

Apesar da pressão psicológica de Rosilda, o negro Manoel da Mata ainda consegue dizer uma frase: – “Os homens da mata só queriam nos ajudar”.

Vanú não olha nos olhos das pessoas, quando conta o que viveu. Levado de casa também antes do galo cantar, poderia hoje estar repetindo o mesmo roteiro. Diz não ter sido espancado. Diz não ter levado choques.

Depois do curto interrogatório na Bacaba, aceitou ser “guia”. Acha que isso o salvou, mas não da dor de lembrar as atrocidades que ele ( sem dizer textualmente, deixa escapar ao evitar dirigir seus olhos às pessoas ) ajudou a construir, conduzindo pela mata os bárbaros agentes do SNI, tateando pegadas de uma turma de jovens que sonhavam em salvar o Brasil da ditadura.

Testemunhos
A decupagem dos depoimentos de onze vítimas da Guerrilha do Araguaia vale por todos os livros e entrevistas até hoje publicados.
É chocante ouvi-los, vendo no vídeo a herança deixada pelo Golpe de 64. Barbárie cometida contra cidadãos pacatos vítimas de um processo injusto originário de toda ditadura.

Atualmente, os onze entrevistados vivem mal, com problemas de saúde. E Brasília se nega a conceder-lhes uma pensão digna. Tão pouco pelo crime que seus agentes do Mal praticaram contra brasileiros indefesos.

Os depoimentos serão postados na Net. O mundo precisa ver com seus próprios olhos o que fizeram Curió e sua gang de assassinos ‘piti-yanquis’.