Eu era menino, bem menino, e a cena nunca saiu de minha  memória.

Estava na casa de minha avó Aurelina, ali na Generalíssimo próximo a Beneficente Portuguesa, levado à capital para iniciar um tratamento de asma que me atormentava cada  vez em períodos de surto de tosses mais próximos um do outro.

Foi a primeira vez que saía de Marabá, logo para a capital do Estado.

Enquanto em Marabá havia tão-somente dois carros, o resto era vespa e “lambreta”, Belém era povoada de todo tipo de transporte.

Acho que nem passou do segundo dia da minha chegada à capital,  quando coloquei a cara na porta da rua, numa manhã qualquer, deparei com um carro estranho que me assustou.

Eu conhecia raríssimos carros, e dar de cara com “aquele” – foi um ´chega-pra-lá´!

Minha tia “Pequixita” notou que eu havia ficado com medo do veículo, e correu para me explicar,

Era um tipo de ônibus que havia servido como transporte público e o chamavam de “Zepelim”, certamente  porque tinha traços de um dirigível  ( e eu que nem sabia o que era balão dirigível, muito menos Zepelim… )

Pesquisando aqui na Internet para ilustrar essa matéria, fiquei feliz encontrar duas fotos do tipo de  ônibus que eu vi no meu tempo de menino sertanejo vindo do interior do interior.

Realmente, era algo “assustador”!

Dava ou não dava para apavorar inocentes?

Essa foto ai foi feita próximo ao Ver-o-Peso, conforme registrado no site http://nostalgiabelem.blogspot.com/2013/?m=0 , que merece ser visitado sempre

 

Não nasci em Belém.

Mas vivi Belém em um de seus mais encantados tempos de delicadeza.

Menino, zanzando na Generalíssimo Deodoro, indo e vindo dos colégios, agora já morando em casa de meus avós maternos, também na mesma rua em que morava a avó paterna.

Primeiro, aos meus 11 anos, estudando no Suiço Brasileiro, que ficava ali colado à Basílica de Nazaré, pertinho dos cinemas Iracema, Nazaré e Ópera.

Depois, mais “encascado”, frequentando os colégios Moderno e Nazaré.

Sim, eu posso dizer que tive o privilégio de ter estudado nas três melhores escolas da capital paraense.

O Suíço Brasileiro tinha um padrão germânico de ensino e, ali, parte da elite paraense fez o primário até o final dos 70.

Foi lá que conheci Anita Muller e a professora Helga, com as quais tive  aprendizados sobre  valores morais e de cidadania.

Foi um tempo bom, eu e minha irmã Terezinha, ali iniciamos nossa formação educacional.

Os donos do Suíço Brasileiro eram  de origem alemã, e tiveram papel importante na formação de, hoje, homens com caráter e dignidade.

Na adolescência propriamente dita, estava eu no Colégio Nazaré.

Nunca esqueço de quando não fui escolhido para fazer parte da banda do colégio para o desfile de 7 de setembro.

Cruzar a avenida Presidente Vargas em plena praça da República era a apoteose de qualquer estudante, representando seu colégio na data festiva da Independência.

Eu era apaixonado pela grandeza da fanfarra do Nazaré, queria a qualquer custo tocar Caixa, o chamado tambor de caixa rasa.

No dia de definição dos integrantes que propriamente iriam ensaiar e “desfilar” na avenida, me deixaram de fora.

O Colégio Nazaré sempre foi a elite da elite dos colégios paraenses.

(Anos depois, minha amada filha Julianna viria também estudar todo o período do ensino Médio no Nazaré, escola onde ela fez leais amizades e que permanecem vivas e cotidianamente reforçadas pelo grupo de amigas, hoje mães)

Nazaré e Moderno, um pouco mais adiante, ali na Braz de Aguiar com a Quintino, faziam parte da elite da elite.

A pressão era grande dos pais de alunos endinheirados, todos queriam fazer a vontade dos filhos.

Eu fazia parte desse seleto grupo, mas minha família nunca integrou a elite da capital, embora meus avós fossem financeiramente bem situados, comercializavam castanha do Pará – e a cada safra a grana entrava  bem robusta em seus  cofres.

Eu era o neto da preferência do Tufy Gaby, libanês nascido na cidade de Tiro, no Mediterrâneo, e que veio para o Brasil com pouco mais de 15 anos.

Raramente meu avô deixava de determinar a alguma tia minha a realização do que eu queria.

No dia em que retornei do Nazaré, abatido, triste por ter ficado de fora da banda da escola, meu avô quis saber o que ocorrera.

Ao tomar conhecimento, chamou minha saudosa tia Camélia – meu Sanço Pança da vida real -, para que fosse ao Nazaré saber porque eu havia ficado fora da banda.

Explicação (acredito mais em justificativa) dada: não havia instrumento caixa suficiente para todos que estavam inscritos.

Ao tomar conhecimento de que não havia mais disponibilidade do instrumento de minha preferência, vô Tufy mandou tia Camélia comprar um pra eu doar ao colégio.

A doação do instrumento não resolveria a questão.

O maestro da banda, se eu entrasse, necessitava de mais duas caixas para colocar mais dois componentes, para completar  o conjunto harmônico.

Não deu outra.

Tufy Gaby pediu para tia Camélia comprar mais duas caixas.

E eu fui fazer parte da banda orgulhosa do Colégio Nazaré.

Belém era encanto, Belém respirava  a liberdade de quem vivia os anos dourados.

Mais encorpado ainda, posso dizer, já um “casca grossa”, lá pelos 15 a 17 anos – eu conhecia – como ninguém, a vida noturna de Belém, seus becos e bairros, suas bocas de fumo lá pras bandas da Matinha – hoje bairro de Fátima.

Vida boêmia começou bem cedo.

Acho porque eu vim das ribanceiras do rio Tocantins, nesse tempo minha estrada era sempre em direção ao bairro da Condor.

Situado às margens do rio Guamá, na zona sul da cidade, nele constituiu-se um “circuito” de boemia que desde fins dos anos quarenta começou a tomar fôlego, abrigando desde os bares e clubes mais “chiques” da cidade, até os pequenos estabelecimentos destinados a prostituição e as diversões noturnas.

Eu vivia a fase áurea do Tropicalismo, a Bossa Nova entranhava minhas veias, João Gilberto e a guitarra do movimento criado por Gil, Tom Zé, Caetano e Torquato Neto -, mexiam com meus neurônios.

O bairro da Condor era cenário onde se misturavam as imagens bucólicas da floresta e do rio com as barracas e palafitas da periferia,  constituindo a zona boemia de Belém, tendo o bairro  como seu grande expoente, nas décadas de sessenta e setenta.

Bem jovem, amava chegar ali de carona com o Samuel, amigo com quem vivi grande parte de nossa adolescência e que costumava “roubar” o carro do pai, um  Aero Willys 2600.

Ele não era habilitado. Nem eu.

Como ser habilitado aos 16 anos de idade?

Fizemos muitas traquinagens, pelas ruas de Belém no carro chique de meu amigo, também estudante do Colégio Nazaré.

Festas em gafieiras e cabarés na cidade de Belém marcavam nossos points.

Antes, aos sábados, ainda cedo, por volta de oito da noite, era obrigação da gente ir para as quermesses que se realizavam num espaço cultural da Igreja de Sant´Ana, ali na Padre Prudêncio com Manoel Barata.

Havia uma banda que marcava ponto ali, tocando algumas coisas dos Beatles.

Como eles harmonicamente se confundiam com algumas notas no braço da guitarra base, quando tocavam “Please Please Me”, aquilo me dava nó na barriga, eu ficava nervoso, porque já tocava (e bem!) violão, e algumas músicas dos  ingleses de Liverpool  eram minhas preferidas – principalmente “Please Please Me”, “Help” e  “Something”.

Um dia, num dos intervalos lá dos caras na igreja, na maior cara de pau,  segurei a guitarra que tinha sido colocada ligada e comecei a tocar baixinho a música.

O baterista (acho que era dono do “conjunto”, como chamávamos) se chegou e perguntou se eu não queria tocar com eles, depois do intervalo.

Claro, era o que eu queria.

Substitui o músico base – e “Please Please Me” foi tocada corretamente.

Passei a ser presença obrigatória das quermesses de sábado à noite na Igreja de Sant´Ana.

Foi lá que conheci  Francileide, loirinha linda, doce, que amava os Beatles e Rolling Stones, e com quem comecei dançando agarradinho “Something” e terminamos, um madrugada qualquer, em plena praia de Marapanim, vendo o sol nascer, enquanto os pais dela, desesperados, andavam de hospitais a delegacias de policia, em busca da filha amada, que se encontrava ao lado de um bicho doido que amava o amor e a vida.

Saímos da igreja e fomos “orar” na praia, eu, ela, Samuel e uma garota que ele arranjou, também, na quermesse.

Eu sou da Belém que  vivenciou e viveu as noitadas em bares e boates do tipo  Aldeia,  “Bar São Jorge”,  “Cabaré da Tia Maria”, “Royal”, “O Lapinha”, “Bartira”, dentre outros bares e gafieiras dispersos.

Eu sou da Belém dos confrontos intercolegiais.

Fui bicampeão intercolegial jogando pelo Colégio Moderno, campeão e artilheiro das duas competições.

Sou da Belém que varava madrugadas na praça do Carmo, em frente ao colégio – tocando violão e fumando outras mumunhas mais.

Sou da Belém amorenada que tantos cheiros e paladares nos lançam andando por suas ruas e vielas.

Mesmo morando em Marabá, minha vida está ligada e sempre estará colada nas histórias dessa cidade que tanto amo.

Até porque é de pai pra filho.

Hoje, meus três filhos  moram, ajudam a construir a cidade e ampliam o amor que nossa família nutre pela Belcity, construindo essa paixão através dos filhos que também já têm, meus netos -,  todos nascidos na capital do Pará.

Feliz Belém!