O João Salame me apresentou o novo toca-discos de vinil , na casa dele, dias atrás, que ele havia comprado em Belo Horizonte.
A mimosidade tem vários recursos, além de rodar vinil, entre os quais, entrada para pendrive, MP-3, etc.
Fiquei alvoraçado, e não me contive.
Amor à primeira vista!
Fiz a compra de um aparelho, logo em seguida -, buscando a emoção que só o vinil nos oferecia, e que eu, sem recursos tecnológicos, a partir dos anos 90, quando o CD passou a ser a mídia unicamente existente, o abandonei com extrema dose de saudade e lirismo.
A supremacia do vinil estava indo pro espaço, com o advento do som digitalizado.
Praticamente toda coleção de discos vinil que até então acumulara em casa ( mais de três mil títulos), foi repassada à Casa da Cultura de Marabá, consciente de que nas mãos do querido Noé Von Atginzen, teria mais utilidade, como fonte de pesquisa de um período da história da música.
Outra parte da coleção, destinei ao meu irmão Temistocles, que teimava em se manter ligado na velha vitrola. E como estava certo!
Alguns exemplares de forte tonalidade existencial, permaneceram guardados na estante de nossa biblioteca -, inclusive, a coleção Nova Música Popular Brasileira, formado por cinco estojos lançados pela Editora Abril, cada um guardando 30 LPs, e o disco “Brasileiro Profissão Esperança”.
Agora na noite de terça-feira, 18, revisando os títulos da coleção, deparei com um dos trabalhos mais lindos produzidos pela criatividade nacional: o disco Brasileiro, Profissão Esperança.
Ao ouvi-lo no novo player de vinil, só emoção, do início ao fim.
Trata-se do inesquecível show escrito por ninguém menos do que Paulo Pontes e produzido pela sua amada, Bibi Ferreira.
Paulo Gracindo e Clara Nunes interpretam, e cantam, músicas e textos de Antonio Maria e Dolores Duran, uns dos mais talentosos letristas e compositores de nossa rica música.
Para os mais jovens que não conheceram Antonio e Dolores, a obra que os dois deixaram, hoje espalhada pelos jornais e gravadoras do País, reflete indisfarçável identidade.
Se tivessem sido irmãos não seriam tão parecidos. Os dois gostavam de viver mais de noite que de dia, os dois faziam canções, os dois precisavam de amor para respirar.
Prestando atenção nas coisas que disseram e escreveram e nas músicas que eles fizeram é que a gente descobre a expressão maior dessa semelhança: os dois se refugiavam do absurdo do mundo, que eles revelaram com humor e amargura, na desesperada aventura afetiva.
O amor era o último reduto dos dois.
“Oração” marca um dos momentos mais criativos das querenças de Antonio Maria, e que, na interpretação de Paulo Gracindo, ao lado do canto de Clara Nunes, mostra a grandeza infinita da alma humana:
“Me tire desse quarto de hotel e de todas as coisas que entram pela janela.
Me leve para longe das palmeiras, mais longe e perto das coisas mais macias; me faça esquecer (depressa) os homens ruins — isto é: os que comem cebola crua.
Me ensine tudo o que eu não aprendi: a cortar com a mão direita, a usar anel, a tocar piano, a desenhar uma árvore, a valsar; e me lembre do que eu esqueci — raiz quadrada, frações, latim, geofísica e “Navio Negreiro”, de Castro Alves.
Depois, me dê, pelo bem dos seus filhinhos, aquilo que eu não tenho há quase um ano… carinho, de um jeito que eu não sei dizer como é, mas que há, por aí ou, pelo menos, já houve.
Destelhe a casa, deixe a noite entrar e, juntos, vamos nos resfriar; espirre de lá, que eu espirro de cá… agora, cada um com a sua bombinha, inalação, inalação.
Lado a lado, sentemos, os dois de perfil para o ventilador; minhas mãos e as suas não são de ninguém, entendido?; se interesse por mim e pergunte o que eu sei, que eu quero exclamar, no mais puro francês: “comment allez vous”?
De um jeito ou de outro, me tire daqui, pra Pérsia, Sibéria, pro Clube da Chave, pra Marte, Inglaterra, sem couvert, sem couvert.
Está vendo o retrato dos meus 20 anos? De lá para cá, cansaço, pé chato, gordura, calvície fizeram de mim essa coisa ansiosa, insegura e com sono, que pede a você, no auge do manso: não saia esta noite e fique comigo, esperando que o sono me tome e me mate, me salve e me leve, por amor ao teu andar, assim seja…”
Nota do blog: Quem quiser ouvir alguns trechos do trabalho de Clara e Paulo interpretando Antonio Maria e Dolores Duran, acesse o Youtube, escrevendo “Brasileiro Profissão Esperança”.
Lá tem alguns vídeos reveladores.
É gostoso.
Nilson
20 de dezembro de 2012 - 18:29Caro Hiroshi,
Essas crônicas musicais valorizam demais teu blog.
Confesso que essa abordagem é muito valiosa.
Meus vinis estão apodrecendo esquecidos.
Preciso comprar um treco desses, caso contrário não vou ter esse prazer que você experimenta.
Grande abraço.
Nilson.
Nilson, compre o player. É excelente, além de potencializar seu arquivo de vinil. Abs. Feliz Natal.
Jonatas Sousa
20 de dezembro de 2012 - 13:41Adoro.Clara Nunes….
Pra mim foi uma DAS MELHORES ARTISTAS QUE O BRASIL JÁ TEVE!
Leticia Juka
20 de dezembro de 2012 - 10:41Nossa adorei, esse aparelho e realmente completo e uma otima opçao para quem, assim como eu, possuem varios discos de vinis, mas nao temos como ouvi-los. Confesso que fiquei com uma inveja branca Iroshy de voces que ja tem essa “Eletrola” modernissssima.
Abraço.
Wanderley Mota
19 de dezembro de 2012 - 17:16Antes de você se desfazer de algumas de suas preciosidades,me presenteou com uma coletânea em vinil da “Philips” que continha algumas raridades como:Chico,Caetano,Gil,Gal entre outros, lembra???
Wandeco, não vou me desfazer mais, não! Vou é voltar a comprar, onde estiver disponível, novos vinis – até de colecionadores. E quase toda essa turma que você cita, estão na Casa da Cultura, doados por mim. Abraço, irmão.