Professor titular de Direito Constitucional e de Direito Processual Civil do Mackenzie, instituição da qual já foi reitor, Cláudio Lembro, ex-governador de Sao Paulo, acaba de publicar no Terra Gagazine artigo sobre o Judiciário brasileiro, visto por ele como parcial e tocado pelo sabor das conveniências políticas.
Dada a coragem da análise, polêmicas à vista.
O blog publica a íntegra de “Reflexões sobre o novo Judiciário”:
Reflexão sobre o novo Judiciário
Uma indagação sempre atormentou os pensadores. A busca do melhor governo: o governo dos homens ou o governo das leis. Este tema, presente na Antigüidade, varou os tempos modernos.
Com a vitória das revoluções burguesas, ocorreu uma nítida opção. O governo das leis definiu-se como o mais apto a garantir os direitos das pessoas, na forma proclamada pelas solenes declarações do Século XVIII.
À opção delineada, somou-se uma exigência: a divisão de poderes. Ou seja, a presença de esferas autônomas de atuação dos diversos segmentos que formam o poder estatal.
Desde então, preservou-se a presença do Executivo, Legislativo e Judiciário em todas as fórmulas idealizadas para a organização do Poder.
Recorda-se: a Constituição americana mostra-se pioneira ao acolher enfaticamente a separação de poderes em seu texto.
Em momento posterior, com o surgimento das Cortes Constitucionais no cenário europeu e em face da evolução da jurisprudência da Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos, a situação começou a se alterar.
A partir desta nova realidade, os Tribunais Constitucionais e a Suprema Corte passaram a se constituir em guardiães da Constituição. Este fenômeno promoveu a expansão da presença da função jurisdicional no espaço do Estado.
O Judiciário já não se mantinha como um poder neutro. Mero aplicador da lei a casos concretos submetidos a sua consideração. Foi além. Tomou os textos legais e os analisou de conformidade com o momento do julgamento.
Procurou, assim, mediante trabalho de interpretação, algumas vezes, um aggiornaménto da lei e, em outras ocasiões, conceber norma aplicável a determinados casos, afastando reservas legais.
Esta nova atuação do Judiciário apresenta-se inovadora no cenário público nativo. Não é assim, no entanto, em outras realidades. Mas, em qualquer geografia, o tema merece reflexão e análise.
Como conseqüência de uma série de decisões, a presença soberana do Judiciário estende-se como os tentáculos de um Leviatã. Fala-se na falência dos partidos políticos e na fragilidade moral dos administradores públicos.
São realidades presentes em todas as partes, no exterior e aqui. O dramático, no entanto, é a percepção da transformação do Poder Judiciário tradicional em jacobino dos tempos contemporâneos.
Tornaram-se as cortes superiores agentes do controle político. Outras vezes, legisladoras onipresentes a exigir sempre maiores atribuições. Já não se atêm a uma atividade simplesmente neutra.
Compreende-se as causas desta situação. São nítidas e expressivas. Preocupa, porém, o esfacelamento do clássico Estado de Direito. Na arquitetura do sistema de poderes, já não se encontram os tradicionais freios e contrapesos.
Um Poder, o Judiciário, avança sobre os demais e, na condição de guardião da Constituição, elabora normas de conformidade com as exigências circunstanciais e assume a posição de paladino das virtudes.
Surge uma jurisidição-dirigente e, com ela, verifica-se a politização da jurisprudência, sob o fundamento de uma efetiva integração da norma constitucional, compreendida como ordenamento objetivo de valores.
No Brasil, a convivência do controle constitucional concentrado e do difuso pode agravar as práticas ora restritas apenas às Cortes Superiores, particularmente Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral.
Os juízes singulares podem acompanhar a visão dos Tribunais. Aí será a vitória plena da jurisprudência dos interesses. Se conhecerá, em passo sucessivo, a teoria do agir e a plenitude do movimento do direito livre.
As últimas decisões do Supremo Tribunal Federal, no concernente à fidelidade partidária e ao direito de greve, convenientes em seu conteúdo, levam a preocupações futuras.
Até onde irá a atividade jurisdicional em seus novos parâmetros? Esta nova forma de atuar conduz a uma instabilidade jurídica. Essa filosofia pode tornar a norma consentânea com as mutações sociais. Avança, porém, sobre visões consolidadas.
O bom senso apresenta-se como apanágio de nossa tradição política e social. Prevalecerá. O progresso de uma indesejável politização da atividade jurisdicional conhecerá limites.