Fui um pai pró-ativo de pesquisar em revistas os assuntos da gravidez, a educação dos filhos, essas coisas. Lia e relia o Diário do Bebê com as anotações do primeiro dia até os cinco primeiros anos. Aquilo era como uma obrigação a fluir intensa felicidade nos mínimos detalhes.
Os três estados de gestação de Sonia, por assim dizer, também foram meus.
Deitado na cama ou rede fui um pai contador de causos. Não via a hora de me recolher. E não era reprodução de estorinhas de Chapeuzinho Vermelho e Bela Adormecida, não! Eram causos protegidos por copyright pessoal. Tantas vezes repetidos nem bem terminava a primeira “sessão”.
– Conta pai, conta de novo. Conta pai, de novo…
De tanto repetir a mesma estória, dormia cansado sem chegar ao final de tantas repetições. Eu e eles.
O bode era quando, dia seguinte, esquecia algum detalhe da mesma estória inventada e Thiago cobrava trechos citados na noite anterior. “E o macaco, o macaco pai?”, exigia a recomposição fiel da estória inventada.
Dediquei-me a Thiago, Silvia e Juliana, sem distinção. Povoei a vida deles de sonhos e fantasias. Fazia questão de ser assim. Educar sem fantasias é mais difícil. Nunca tive dúvidas de que o faz-de-conta dentro do lar os ajudaria no futuro serem pessoas afetuosas, educadas e potencialmente solidárias. O tempo provou que eu estava certo.
Até próximo aos sete anos, meus filhos acreditavam em Papai Noel. Quantas noites ficamos até tarde escrevendo cartas com eles para enviar à Moradia do Céu, Casa de Papai Noel, pedindo isso e aquilo… Foram tantas!
Diante de alguma peraltice praticada, indubitavelmente a bronca era citada. Tipo: “Meu Papai Noel, como o Thiago respondeu com estupidez para a sua maninha Silvia, prometo não mais fazer isso porque eu sei que maninhos foram feitos pra viver em paz e ser amigos…” Era o corretivo psicológico, sem gritos.
Nas noites de Natal, eu e Sonia armávamos estratégias mirabolantes para colocar debaixo das camas seus presentes, antes de sairmos para a confraternização na casa de parentes. Nem bem dava meia-noite, invariavelmente um deles chegava pra indagar “se Papai Noel já passou lá em casa pra deixar o presente”. Era o gancho para mais um momento de sonhos e fantasias, por mim alimentado:
– Olha, eu acabei de ver rápido ali no céu algo luminoso, tenho a impressão que foi Papai Noel..”
– Era ele pai, ela ele, sim. Eu vi também!!
Uma noite, a sala cheia de crianças, todos amiguinhos e primos de Thiago e Silvia (Juliana ainda não era nascida), eu tentava divertir a todos vestido com uma roupa quente de Papai Noel e as barbas grande de postiças. A felicidade no rosto de cada era latente. À exceção de Silvia, que não se soltava de tanto encarar meus olhos, enquanto minhas brincadeiras faziam a todos se deliciar de risos. De repente, minha filha segura minha mão direita (nessa época, na parte de cima do indicador dessa mão eu tinha uma saliente verruga), olha pra mim e passa a mão sobre a verruga, gritando em seguida:
– Você é meu pai. Não é Papai Noel. É meu pai….
Diziam-me, anos atrás, que em determinado período da vida os sonhos fogem. E que esse fenômeno de congelamento da alma ocorreria a partir do momento em que o homem se tornasse pai. Os sonhos seriam massacrados pelo corre-corre do dia a dia, o concorrido mercado pela sobrevivência, as preocupações rotineiras de manutenção da prole. Eu nunca acreditei nessa projeção. “Os sonhos são meus e ninguém os tira”, já disse Moacir Franco numa canção popular.
Luz negra, calça de nesga, rum com Coca, violão, passeata, LP, parece que foi outro dia.
Vivi meu tempo de rebeldia até o nascimento de Thiago, quando prometi a mim mesmo jamais colocar outra vez um cigarro de maconha na boca. Nunca mais coloquei.
Feliz pai que conseguiu engravidar de felicidade todos os estágios de vida de meus filhos. Hoje os três estão aí toureando o mundo e mais distantes de mim. Porque a vida bela passa exatamente por isso: os filhos não nasceram pra ser da gente.
O garoto que um dia queria ser cantor de rock conseguiu ser um excelente pai. Todo tempo sonhando, e às vezes torrencialmente emocionado.
hiroshi
14 de agosto de 2007 - 15:01Ei, Sil, pensa num chorão! Pronto. Já chorei! Amo voces tb. Me aguardem que estou chegando.
Beijos.
Anonymous
14 de agosto de 2007 - 12:59Vc é um exemplo de pai, amigo, herói, companheiro… que regou nossas fantasias e realizou os nossos sonhos.
Não tínhamos dúvidas de que bastava recorrer ao “papai” para conseguir o que queríamos, desde um biscoito no supermercado até um brinquedo mais caro.
Nas nossas apresentações de escola, brincadeiras de rua, aniversários… o papi sempre estava presente com a sua câmera de filmar, aos domingos nos seguia para registrar nossas brincadeiras, conversas… momentos eternizados em imagens marcadas pelo sentimento de união e muito, muito amor.
Vc e a mamãe são exemplos de pais dedicados que sempre nos priorizou, tenha certeza de que sua missão está cumprida e o mais importante: Thiago, Julianna e eu temos a presença incondicional do pai amigo, brincalhão, presente, apaixonado e protetor.
Se hj sou o que sou, devo a vc: suas estórias contadas, músicas cantadas, textos escritos, declarações e conversas sobre a vida, futuro… me formaram e me construíram, são bases na minha vida e me guiam na busca de um pai no mínimo parecido para os meus filhos do que vc foi e é para mim.
Te amo muito!!!!!!!!!!!!!!
Silvia
hiroshi
13 de agosto de 2007 - 23:13Ora, veja, meu caro Orly, por aqui.
É isso mesmo, parceiro. Hoje as preocupações são mais na área de segurança, como eles retornam pra casa à noite, o perigo na esquina. O dificl não foi criar. Dificil agora e saber até quando estaremos todos juntos. Isso me aflige.
Aparece Orly, você é um quadro importante deste Estado. Qualquer hora desas visito você por ai, tomar algo no bar mais próximo.
Abraça a familia e segue firme, parceiro.
Abs
Anonymous
13 de agosto de 2007 - 22:58Bonito, Horoshi. Você fez bem o papel de pai. Tão bem, também, aqui nesse relato maravilhoso. Tenho quatro filhos, todos homens e dois netos, também homens, e bem sei o que representa esse sentimento. O meus percorrem um caminho parecido com os seus: publcitário, marketing, administrador e o caçula faz o primeiro ano de odontologia. Todos motivos de orgulho e , porque não dizer, muita preocupação no enfrentamento da vida.
Um forte abraço,
Orly Bezerra
hiroshi
13 de agosto de 2007 - 21:27Abração, Vó! E dá um beijinho bem gostoso na Bia. A outra. Ehehe
Bia
13 de agosto de 2007 - 21:06Abração, pai!
hiroshi
13 de agosto de 2007 - 13:19Rsrsrsr
Ademir, como esqueceria aquela gostosa loucura?! Ausente de Marabá por quase três anos,cheguei na cidade às 18 horas, peguei a balsa no São Félix e te localizei as 21 hs, depois Adalicio e Socorro. Nem sei quem foi, mas logo colocaram um violão debaixo de meu braço que não parou de tocar até às 6 manhã.Com o sol matinal queimando às vistas, caladinho, dizendo que ia ali e voltava já, me despedi e passei mais dez anos fora, quando então voltei definitivamente, com Sonia e dois filhos. Eheheheh
Escreve a crônica, Pagão!
Quaradouro
13 de agosto de 2007 - 12:02Você, como sempre, me comove. Lembrou-me dos anos 70, meados de 70, quando voc� eu, Adal�cio,Socorro (lembra-se da nossa amiga, memória umbilicalmente ligada ao Batukão, meu paraiso perdido e reencontrado e novamente perdido, então para sempre?)fomos parar no pântano da Santa Rosa, naquela palafita flutuando sobre o nada como uma nave espacial movida a m�sica, amizade e solidão?
Estou te devendo esta crônica. A você e ao grande Ada.
Um abraço fortíssimo!
Ademir Braz
hiroshi
13 de agosto de 2007 - 00:04Se fosse um faz-de-conta, eu não os teria educado, senhor anonimo.
Mas posso dizer que educar é um jeito simples de se viver em constante estágio de brincadeiras. Ser duro e dizer não quando preciso for, mas sem perder a ternura. Em verdade, quem complica tudo são os pais. Eles querem desde cedo as crianças agindo como adultos, quando nem adultos podemos deixar de ser crianças.
A liberdade dos filhos deve ser priorizada, sempre. Obstacularizar, formar barreiras, brecar atitudes somente quando estas forem maléficas mesmo.
Maior barato é educar os filhos achando sempre que eles são nossos parceiros de jogar peteca e pião. Reside aí a ludicidade do Educar. Sem o lado lúdico podemos criar filhos rancorosos.
Ñão é por aí.
Abs
Anonymous
12 de agosto de 2007 - 23:54Quer dizer que educar é um faz-de-conta, senhor blogueiro?
Anonymous
12 de agosto de 2007 - 21:09Seus três filhos, eu conheço Hiroshi. São maravilhosos em decorrencia da educaçào que você e Sonia deram a eles. Vc cumpriu com seu papel de pai.
Tereza
Anonymous
12 de agosto de 2007 - 20:33Se todos os pais agissem assim quem sabe o mundo não seria menos injusto.
Maria de Fátima Godinho
Imperatriz- Maranhão
hiroshi
12 de agosto de 2007 - 18:45‘Bigado’, Cris. E um beijo pra ti porque admiro também esse teu jeito doce de ser.
crisblog
12 de agosto de 2007 - 18:31“Conta pai…conta de novo…”
Legal.
Parabéns. Você é um exemplo de vida, sabia?
Beijos.
Admiro-te muito !