APESAR DE VOCÊ!
Por Marcelo Rubens Paiva (Estadão, 20/102018)
“Apesar de você, as cores do arco-íris continuarão as mesmas, ele sempre estará entre o céu e a terra, continuará lindo a nos emocionar. Mulheres continuarão a desejar mulheres, homens se beijarão e se amarão: o amor não tem limites, o desejo não tem barreiras. A composição familiar nunca mais será a mesma. Os jovens não deixarão de mudar padrões, quebrar regras. O amor vencerá a bala. A Inteligência sempre vencerá a burrice.
Drummond continuará arquiteto das palavras, Niemeyer, o poeta das formas. Ambos continuarão gauche na vida. Livros poderão ser proibidos, mas jamais serão esquecidos, poderão estar escondidos nos labirintos das estantes, no labirinto da nossa memória.
Apesar de você, a palavra será a melhor arma, o pensamento, livre, as ideias brotarão, os questionamentos serão infinitos, é da nossa essência, é nossa vocação.
Apesar de você, florescerá na primavera, a solidariedade existirá, o altruísmo continuará vital como o ar. Apesar de você, a bondade estará entre nós. Vamos esperar para tudo melhorar, vamos esperar para o dia amanhecer sem ódio, sem tiros, vamos esperar a tempestade passar.
Apesar de você, Dom Quixote lutará contra moinhos de vento, Riobaldo, contra o amor por outro jagunço, Canudos, contra as tropas da insensatez, Zumbi, contra a escravidão. A dívida social não será paga. A história dos negros não será reescrita nem recontada. Uma ditadura continuará a ser assassina, e a tortura, nunca mais! Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.
Hoje é dia 20 de outubro. Hoje é celebrado o dia do poeta. Hoje é dia de Manuel Bandeira. Apesar de você, podemos ir embora pra Pasárgada, onde somos amigos do rei, termos o amor que quisermos, na cama que escolhermos e, se aqui não somos felizes, lá a existência será uma aventura, lá faremos ginástica, andaremos de bicicleta, montaremos em burros brabos e, cansados, nos deitaremos na beira do rio, porque em Pasárgada tem tudo, é outra civilização, nos sentiremos seguros, e no dia mais triste, o mais triste de todos, amaremos quem quiser, porque lá somos amigos do rei.
Apesar de você, toda a cultura será acessível, Brecht proporá a revolução, a angústia estará na solidão, a dor da alma não terá cura, até o dia em que decidirmos não sofrer mais e agir. Sofreremos por causa de você, superaremos apesar de você. Nossos ancestrais não sairão do lugar, seus ensinamentos irão nos guiar, apesar de você. Os mortos continuarão vivos entre nós. Continuarão a nos inspirar. Luther King continuará mito. Jesus a nos defender. Simone de Beauvoir nos fez pensar. Gandhi é o mito da paz.
O índio guerreiro vai lutar, vai se esconder e sobreviver, vai defender a sua mata, unir-se aos animais, defender sua família, até o último guerreiro, e mais uma vez o mal não vencerá. Os rios terão o poder de se regenerar, os mares, de se recompor, a fumaça vai se dissipar, as bombas vão se calar. A floresta vai renascer das cinzas. A destruição não nos acometerá.
Cometas vão passar. O Universo continuará a se expandir e ser enigmático. As descobertas nos surpreenderão. O conhecimento será sempre o caminho, não o ponto final. O desconhecido será conhecido, para voltar a ser desconhecido, que será conhecido, e desconhecido. Teorias podem ser reescritas, nunca extintas ou ignoradas.
Michelangelo será eternamente belo. Leonardo, genial. Van Gogh pintará as cores do vento. Pollock, a representar nossa loucura. Picasso, a incongruência. Miró será eternamente arrebatador. Rimbaud será nosso poeta que faz da vida, versos, da sua andança, sentido: “Que venha a manhã, com brasas de satã, o dever é ardor. Ela foi encontrada. Quem? A eternidade é mar misturado ao sol”.
Shakespeare nunca deixará de mostrar o horror de reinos, a loucura de reis. Campos de Carvalho narrarei de cor. Continuará píncaro do espetacular.
Lobos uivarão para a lua. Cachorros latirão uns para os outros. Gatos se esconderão na escuridão. Sabiás cantarão antes do amanhecer, nos despertando com a beleza da sua inconveniência. À noite, será sempre noite, por vezes desesperadora, por vezes longa demais, dolorida e saudosa. Enfim, o sol aparecerá. O ciclo das estações não se alternará. O minuto de daqui a pouco será depois o minuto que se foi. O amanhã será ontem.
A Justiça não será parcial, a defender os que mais têm. A verdade poderá nunca prevalecer. Mas nenhum doutor irá nos convencer do contrário. A polícia continuará a reprimir, a defender o bem de quem os têm. Mas nunca será eliminado o fato de sermos tão desiguais, de que quem não tem luta para dividir. Os grilhões se romperam. As amarras se romperão. Apesar de você.
Hoje é dia de poesia e samba. Todo dia é dia de samba. Apesar de você, o sol há de brilhar mais uma vez, a luz há de chegar aos corações, do mal será queimada a semente, o amor será eterno novamente. Quero ter olhos pra ver, a maldade desaparecer. Amanhã será um novo dia. Apesar de você.”
Luis Sergio Anders Cavalcante
25 de outubro de 2018 - 20:13Sr. Hiroshi, Djalma, Apinajé e Otavio. Considero que “nem tanto à terra nem tanto ao mar”. A esquerda realmente, teve seu momento e se perdeu, deixou-se levar e seduzir pelo poderio financeiro. Agora, paga alto preço pelos desvios de rota, para não dizer de outras coisas. Como sabido por todos, a eleição está polarizada e o eleitor menos informado sem saber em quem votar. Reconheço que não simpatizo com o candidato do PSL, e muito menos após assistir vídeo em que o mesmo bate continência para a bandeira americana e convida os militares americanos a assumir o comando da Base Militar de Alcântara-MA. Isso é puro entreguismo. A historia mostra que Presidentes americanos sempre “gostaram” de ter bases militares próximas de países que não se coadunam com suas políticas externas. O “modus operandi” de intervenção militar sempre foi seu carro-chefe. Chico Buarque volta e meia nos presenteia com músicas que evidenciam protesto. “Apesar de você” é famosa. Coloco a seguir alguns trechos de outra música do mestre, diria eu, não menos famosa e certamente, muito atual. “VAI PASSAR”. “Vai passar, nessa avenida um samba popular. Cada paralelepípedo, Da velha cidade, Essa noite vai se arrepiar. Ao lembrar que aquí passaram sambas imortais. Que aquí sangraram pelos nossos pés. Que aquí sambaram nossos ancestrais. Num tempo. Página infeliz da nossa história. Passagem desbotada na memória. Das nossas novas gerações. Dormia, a nossa Pátria- mãe tão distraida. Sem perceber que era subtraída. Em tenebrosas transações…….. Em 25.10.18, Marabá-PA.
Apinajé
26 de outubro de 2018 - 18:17Olá Sergio,como quase sempre,gostei da sua intervenção,tudo muito bem colocado.
Exemplos musicais para cantar nosso país,existem aos borbotões,uns mais ingênuos,como país tropical,outros mais elaborados,chico sempre foi mestre nisso,o que me incomoda,é a parcialidade com que eles e seus parceiros agem no momento em que o Brasil mais precisa,a defesa que eles fazem do PT(leia-se LULA)ao meu ver é tentar induzir o povo a ser complacente com os gravíssimos erros daqueles que um dia foram esperança.
A minha angústia, é não ter alternativa,essa situação foi construída,não nasceu do acaso,
“O povo tende a beber dessa bebida amarga,mesmo que na calada da noite se dane,vão lançar um grito desumano que é uma maneira de ser escutado”
Não tem jeito,quem quer que seja o eleito,vai doer!
Alô torcida do Flamengo, aquele abraço!.alô,alô Luis Sergio,aquele abraço!…
Otávio Barbosa de Sousa
23 de outubro de 2018 - 10:58O Chico Buarque nos presenteou com uma composição: Apesar de você. Que retrata o que poderá está por vir. Deve ter inspirado o Autor desse belíssimo texto. O Estadista inglês, Winston Churchil, falar algumas frases bastante reflexiva sobre a democracia. A democracia é a pior forma de governo, com exerção de todas as demais.
Apinajé
22 de outubro de 2018 - 08:48Apesar de você!
Tal qual o motorista que ao descer de seu carro se transforma em pedestre,tal qual o você em certo momento se transforma no eu,temos que refletir muito sobre os rumos que as coisas estão tomando,caminhos tortuosos se aproximam,uma estrada sinuosa,sinalização precária,abismos tenebrosos ao nosso lado,a mínima derrapado nos levará ao caos.
Me preocupa perceber que, no país fragmentado,insistimos a imputar aos outros a culpa pelas incertezas que se avizinham,se realmente fossemos os senhores da verdade,talvez não estivéssemos à beira do abismo que estamos,caminho sem volta,beco sem saída,um jardim que nunca floresce,eterno país do futuro,e o futuro é sombrio,não temos alternativa,é sair do espeto e cair na brasa…
Ainda tem gente que acredita nas flores vencendo canhão…Lamento desaponta-los,as flores que um dia foram esperança,perderam seu perfume suave,tomaram para si odores fétidos,no nosso jardim da discórdia só contenta germina,as flores murcharam,rosas não desabrocham mais…Sobraram só o mal me quer! Duas boiadas seguem numa marcha insana rumo às urnas,cada boi com sua verdade, fazendo ecoar aos quatro ventos gritos de guerra,hora ele sim,hora ele não…Eu digo:Mal me quer, o bem não me quer!
Nesse jardim de evas daninhas está sobrando adubo!Vai doer!
Djalma Guerra Junior
21 de outubro de 2018 - 20:17Simplesmente espetacular, gostei