Luzia Álvares: As mulheres amazônidas são poderosas e  podem melhorar em muito a vida

 

Para enriquecer o debate em torno das lutas travadas pelas mulheres paraenses em busca de vida mais digna e conquistas sociais importantes, a colaboradora Ghyslaine Cunha entrevistou Maria Luzia Miranda Álvares (foto), graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará.

 

O depoimento de Ghys sobre o perfil da entrevistada e conteúdo completo da entrevista:

 

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O 8 de março é um dia de consagrar, com maior ênfase, toda uma história de lutas em defesa de direitos, de dignidade, de igualdade na diversidade e de respeito ao gênero feminino; e é também um dia para que toda a sociedade reflita sobre a atualidade das bandeiras, antes empunhadas apenas pelas mulheres, mas, hoje, levantadas por todas pessoas que desejam um mundo melhor, mais justo e inclusivo.

É com profundo sentimento de gratidão e alegria que trago a entrevista, realizada em 07 de março, com a professora Luzia Miranda Álvares sobre alguns aspectos importantes da luta feminista no Pará.

Maria Luzia Miranda Álvares é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará (1977), possui mestrado em Planejamento do Desenvolvimento pelo NAEA/ Universidade Federal do Pará (1990) e doutorado em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (2004); é jornalista (crítica de cinema) desde 1972 e articulista de temas sobre política (às sextas feiras no Jornal “O Liberal”); é Professora da Universidade Federal do Pará; tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em estudos eleitorais e partidos políticos, atuando principalmente nos temas: comportamento político, ciclos republicanos paraenses, competição eleitoral, recrutamento político e seleção de candidaturas, e gênero e poder. Está vinculada ao OBSERVE – Observatório de Monitoramente da Lei Maria da Penha, coordenando as pesquisas na Região Norte. O consórcio é coordenado nacionalmente pelo NEIM/UFBA, com financiamento da Secretaria Especial de Política para as Mulheres -SPM-PR. É consultora Ad-Hoc do Programa Pró-Equidade de Gênero, da SPM/PR. Faz parte da diretoria da Associação Brasileira de Ciência Política – ABCP. É Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes sobre Mulher e Gênero-GEPEM/UFPA; e é também editora do Blog da Luzia (http://www.blogdaluzia.com/).

Professora Luzia, como é carinhosamente chamada por seus alunos e alunas, é, sobretudo, uma entusiasta militante das mais justas causas sociais, uma mulher à frente de seu tempo, com extrema sensibilidade e um olhar todo especial, maduro e generoso acerca dos desafios, impasses e possibilidades dos movimentos de mulheres, os quais acompanha e conhece, profundamente.

Abraçando-a, quero pedir licença para homenagear, neste dia de luta, a todas as mulheres que têm doado suas vidas na defesa da dignidade, da independência, da liberdade, e de direitos para todos os segmentos sociais em ação por inclusão. Pedindo perdão por algum esquecimento, gostaria de citar Antônia Melo, liderança popular de Altamira e as índias Tuíra e Sheila Juruna, na luta contra Belo Monte e pelo Xingu Vivo, Irmã Dorothy (in memorian) e todas as mulheres do campo que lutam em defesa da Amazônia e de seus povos, Rosa Marga Rothe, Isa Cunha (in memorian) e Marinor Brito, lutadoras na defesa de tantas causas sociais e dos direitos humanos, mulheres íntegras, coerentes, belas também na alma, plenas e lúcidas, assim como a querida professora Luzia.

Vamos à entrevista, concedida em meio a uma agenda super corrida, mas mesmo assim, feita com muito carinho e atenção, como não poderia deixar de ser. (Ghyslaine Cunha)

 

Ghys : Desde Eneida de Moraes e Orminda Ribeiro Bastos, quais são os grandes avanços da luta feminista no Pará?

Luzia: Primeiro, é preciso dizer que Eneida de Moraes não se considerava feminista. No período em que a luta pelo direito do voto dava o tom ao movimento sufragista rotulado de feminista, Eneida rechaçava as mulheres do movimento. E escreveu um texto onde trata disso (“Conversando”, O Estado do Pará, 1929) com o seguinte parágrafo: “(…) Não sou feminista porque não sou – essa é a razão primeira. A segunda, é que ainda não compreendi o feminismo, como as mulheres querem que ele seja (….)” . Nesse período, Eneida estava se filiando ao Partido Comunista, cuja doutrina diferia da linha da corrente liberal que pleiteava o voto às mulheres. Orminda Bastos, sim, era sufragista e assessora de Bertha Lutz. Fez palestras sobre o assunto em Belém para grupos de mulheres e para as operárias.

Quanto aos avanços da luta feminista desse período até hoje, com certeza são muito grandes. Além da conquista do direito do voto – hoje emblematicamente marcado pela eleição de uma mulher para a Presidência da República, depois de 80 anos dessa conquista – houve muitos ganhos, como a presença da mulher em um mercado de trabalho onde profissões diferenciadas já podem ser exercercidas sem as limitações daquela época. A questão da violência doméstica virou caso político e de polícia, deixando de ser restrito ao recorrente refrão: “briga de marido e mulher não se mete a colher”. Nos estudos universitários, hoje, é possivel avaliar a presença de um número significativo de mulheres, visto que antes estas sequer concluiam o curso primário. A maternidade se tornou uma opção da mulher devido à descoberta da pílula anticoncepcional e, muito importante, por isso, deixaram de considerar a sexualidade somente para a procriação. E por ai vai…

Ghys: Pode-se dizer que há uma pauta específica amazônida na luta feminista?

Luzia: Percebo que sim. Apesar de as feministas paraenses se engajarem nas lutas pontuais sobre as necessidades das mulheres – políticas públicas para a eliminação da violência doméstica, para a saúde feminina e suas especificidades (maternidade, aleitamento, doenças sexualmente transmissíveis, educação etc) – outras necessidades entram na pauta de suas reivindicações como seja as que apontam para a luta das mulheres da floresta pelo trabalho no campo, possibilidades de incrementar as ervas medicinais que são manuseadas pelas mulheres, o combate à pobreza, a questão do agronegócio, dos transgênicos, do latifúndio, defesa da produção familiar rural, a agricultura de base ecológica, com a valorização dos recursos da floresta e de outras atividades produtivas, lutando pelo desenvolvimento sustentável. Essas são algumas das especificidades da luta dos movimentos de mulheres da Amazônia, creio eu.

Ghys: Nos últimos cinco anos, quais os avanços e retrocessos quanto ao atendimento às pautas dos movimentos de mulheres no Pará, considerando que o governo passado teve, à frente, uma mulher?

Luzia: O movimento de mulheres tem, também, em sua pauta, a função do controle social sobre as políticas públicas pleiteadas por esse gênero. Dessa forma, em cada palmo de reivindicação conquistada o “olho mágico” observa quais as políticas implantadas, quais as que deixaram de ser e quais as demais necessidades, não só delas, mas da comunidade local onde vivem. Esse é o grande acúmulo de atividades e de empreitadas que essas mulheres carregam como responsabilidade de sua luta. Quando certas políticas deixam de ser implementadas elas saem em marcha para manter aceso o foco da reivindicação, propagar o que não foi feito ou o que precisa ser feito. Não tenho clareza dos pleitos não atendidos pelos governos. Sei, contudo, que no Governo Ana Julia foi iniciada a implantação dos Centros de Referência Maria do Pará que assegurava a proteção integral às mulheres vítimas de violência. Então considero essa uma boa política atendendo a um programa de atividades nessa área. Mas as mulheres estão saindo neste dia 8/03 em marcha para o palácio do governo, solicitando mais políticas e cobrando o que já foi prometido e não cumprido.

Ghys: Quais são, hoje, os principais desafios dos movimentos de mulheres na Amazônia?

Luzia: Entre os muitos desafios creio que o principal é demonstrar que elas são poderosas e que podem melhorar em muito a vida de suas associadas e da comunidade como têm feito sempre. Porque a luta delas, como disse, não é apenas nas reivindicações específicas dos problemas da mulher, mas inclui, também, os da família e da própria comunidade.

Ghys: Como a senhora avalia a sintonia e a força atual dos movimentos de mulheres nas diversas regiões de nosso Estado?

Luzia: Tenho clareza que uma sociedade sem um movimento social, um movimento de mulheres perde consideravelmente a condição de manter coesa a forma democrática. São as mulheres dos movimentos que identificam os problemas sociais que surgem em seus locais de moradia porque estão no dia-a-dia da vivência dos serviços públicos. Assim, considero o “grito de guerra” dos movimentos de mulheres necessário para que o poder público acorde de seu marasmo, se dinamize e realize as necessidades dos cidadãos/ãs.